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domingo, 1 de abril de 2012

FABULOSA OBRA: CAPELA SISTINA

 Michelangelo vislumbrou o teto da Capela Sistina como uma pequena tarefa, mas o Papa Júlio II pressionou o artista a criar os afrescos, que cobriam cerca de 900 m2 
                                                                                                                                                  Se existem lugares em que a arte se aproxima de Deus, um deles é a Capela Sistina. Esta dependência do Palácio do Vaticano, em Roma, atinge o absoluto graças aos magníficos afrescos pintados por Michelangelo, Perugino, Ghirlandaio e Botticelli, entre outros artistas do Renascimento. Temas do Antigo e do Novo Testamento são o ponto de partida das imagens imortais da Capela. Seu nome é uma homenagem ao Papa Sisto IV, que ordenou a sua construção em 1475. Os trabalhos se prolongaram até 1483 e, atualmente, a Capela é usada para as reuniões do Colégio dos Cardeais destinadas a eleger os novos Papas e também para cerimônias da Semana Santa O projeto da Capela Sistina, segundo o arquiteto e teórico italiano Giorgio Vasari, foi de Baccio Ponteli; porém, nas notas de pagamento, figura o nome do florentino Giovannini de Dolci. Polêmica à parte, o importante é que externamente o edifício parece uma fortaleza, deixando evidente que a função da Capela seria apenas a de uso interno dos moradores do Palácio do Vaticano, principalmente do Papa. Ao que tudo indica, as dimensões parecem ter sido inspiradas nas do templo de Salomão, descrito na Bíblia, e o teto abobadado era originariamente desprovido de qualquer adorno pictórico. Ainda sob o papado de Sisto IV, começaram as decorações das paredes. Pedro Perugino, Cosimo Roselli, Sandro Botticelli, Domenico Ghirlandaio, professor de Michelangelo, e Luca Signorelli pintaram quadros da vida de Moisés e de Jesus Cristo, além de uma série de Papas entre as janelas, seis no alto de cada parede lateral. Entretanto, em maio de 1508, o Papa Júlio II, sobrinho de Sisto IV, encomendou a Michelangelo o afresco que hoje decora o teto da Capela. O artista florentino aceitou o desafio pleno de dúvidas, pois considerava-se mais um escultor do que pintor, preferindo os blocos de mármore de Carrara aos pincéis. A obra foi terminada em outubro de 1512, sendo o resultado de um processo muito doloroso. No plano físico, a posição incômoda em que o artista tinha que pintar, sobre andaimes, todo retorcido e com gotas de tinta prejudicando-lhe a visão, causava cansaço. Além disso, segundo alguns historiadores e críticos de arte, Michelangelo sofria veladas ameaças de que seria substituído pelo jovem pintor Rafael, então em ascensão, se o seu trabalho não agradasse ou não correspondesse aos desejos do Papa. Mas o resultado foi magnífico, superando qualquer expectativa. Michelangelo representou, seguindo uma ordenação teológica, desde a Criação do Universo até a Embriaguez de Noé, incluindo mais sete episódios do Gênesis, além de sete profetas, cinco sibilas, que teriam anunciado a vinda de Cristo, e quatro cenas nos cantos representando façanhas de heróis do povo de Israel: Davi vencendo Golias, Judite matando Holofernes, Ester denunciando as perseguições de Amã aos judeus e o episódio em que, picados por serpentes venenosas, aqueles que tivessem fé poderiam se curar olhando para uma serpente de bronze, colocada no alto de um poste por Moisés. O primeiro projeto que começou a ser pintado por Michelangelo, contudo, era bem mais modesto, limitando-se a representações dos 12 Apóstolos. Porém, não demorou muito para o artista perceber que o espaço a ser preenchido exigia uma obra colossal. Com liberdade de criação e assessoria teológica do próprio Júlio II, Michelangelo conseguiu realizar o seu intento, pintando uma síntese da Origem do Universo e do Homem. Todo o teto é ocupado por uma composição unitária. São 40 m de comprimento e 13 m de largura subdivididos em nove áreas centrais. A disposição das figuras não é aleatória. Um dado nesse sentido é o fato do profeta Jonas estar representado sobre a parede do altar, pois simboliza exatamente Cristo ressuscitado. Segundo a Bíblia, Jonas ficou três dias no ventre de uma baleia antes de ser lançado à praia de Nínive, cidade em que não queria pregar, enquanto, Jesus, analogamente, ressuscitou no terceiro dia após a sua morte na Cruz. A analogia torna-se ainda mais evidente com a posterior pintura do Juízo Final pelo próprio Michelangelo na parede atrás do altar. No afresco, Cristo ocupa justamente o local central, travando um diálogo teológico com Jonas logo acima. Ambos caracterizam-se pela trindade (ficaram mortos três dias) e pela ressurreição. Quanto às paredes da Capela, Leão X ordenou a feitura de tapeçarias com cenas envolvendo os Apóstolos. Os desenhos foram realizados por Rafael e o resultado final está hoje conservado na Pinacoteca do Vaticano, tendo sido exposto pela primeira vez na Capela em 1519, no dia de Santo Estevam. Não se pode deixar ainda de referir ao talento de Michelangelo na execução do Juízo Final. Em 1533, vinte e um anos após a decoração do teto da Capela, Clemente VII, da família Médicis, tradicional pelo poder em Florença e pela prática do mecenato, fez a encomenda ao artista florentino. Mas nada foi feito até que Paulo III, da família Farnese, no ano seguinte, confirmasse o interesse pela obra, destinada a decorar a enorme parede sobre o altar. Tratava-se de um desafio considerável. A responsabilidade era imensa para um artista que, já com 60 anos, via-se mais uma vez obrigado a deixar o cinzel e o martelo de suas amadas esculturas pelos pincéis abandonados há 20 anos. Ao contrário do que ocorreu com o teto da Capela, a escolha do tema não foi problemática. Desde o início da Idade Média, o tema do Juízo Final costumava ocupar a parede de entrada das Igrejas. A dificuldade é que o espaço a ser pintado era a parede dos fundos. Isto obrigou Michelangelo a cobrir duas janelas da arquitetura original, dois afrescos de Perugino e figuras que ele mesmo havia realizado quando decorara o teto. Com essas modificações, a parede ficou 200 m2, vazio preenchido por 391 figuras, muitas em tamanho superior ao natural. Iniciada em 1535, a obra foi concluída em 31 de outubro de 1541. No mesmo dia, Paulo III ordenou a rápida retirada dos andaimes para celebrar um Ofício aos pés do extraordinário trabalho. Maravilhado, o crítico Vasari, ao olhar aquelas figuras com formas e rostos distorcidos, viu, "pensamentos e emoções que, melhor do que ninguém, ele (Michelangelo) soube pintar". De fato, a obra fugia aos ditames clássicos da Renascença, apontando para o Maneirismo italiano e o posterior Barroco, expressão estilística de seres humanos cada vez mais dilacerados entre o sagrado e o profano. Por essas enigmáticas coincidências em que a vida imita a arte, um dos maiores representantes do Barroco italiano é exatamente outro pintor também chamado Michelangelo. Todavia, seu sobrenome não era Buonarroti, como o escultor florentino, mas Merisi. Este talentoso artista, porém, ficou mais conhecido como Caravaggio, nome da aldeia de onde a sua família era originária. Mestre das luzes, mas também talentoso com as formas como o seu homônimo, Caravaggio, expõe em suas telas uma agonia de existir e uma turbulência capazes de gerar obras de arte ímpares. Nessa ótica, Michelangelo e Caravaggio levam o fruidor dos seus trabalhos, sejam esculturas ou pinturas, à transcendência, expondo, seja nos temas, nos traços, nas cores, nas formas ou nas luzes, o sublime e o amargo da existência humana. Pelo que foi dito até aqui, fica evidente que a Capela Sistina reúne obras magistrais da pintura do Renascimento e do patrimônio artístico da humanidade. Além disso, a temática abordada, seja no teto, no Juízo Final ou nas pinturas laterais, propõe ao observador uma visão cristã do mundo com ampla significação em uma dimensão física e simbólica até então nunca atingida e, sob certos aspectos, insuperável mesmo em nossos dias. A jornada poética a que estamos convidando o leitor tem o intuito de penetrar em algumas de suas facetas, propiciadas pelas pinturas, pelo passado da Capela e pela sua significação presente. Fatos e figuras históricas, profetas, sibilas e episódios bíblicos são relacionados durante 33 poemas (justamente a idade da morte de Jesus), que não pretendem a perfeição estilística ou formal, mas sim constituir um agradável e educativo mergulho no denso universo da Capela Sistina, um local divino em que a fé, o conhecimento teológico e a sensibilidade se conjugam em mística, misteriosa e sagrada harmonia.                                                                                   

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