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segunda-feira, 17 de junho de 2013

ABÍLIO PEREIRA DE ALMEIDA - BIOGRAFIA


                                                          Almeida, Abílio Pereira de (1906 - 1977)


Biografia



Abílio Pereira de Almeida e a constituição da Companhia Cinematográfica Vera Cruz; um
histórico sobre o papel desempenhado pelo pesquisado na formação de um cinema
nacional de padrão internacional.
Autora: Maria da Conceição Parahyba Campos
Professora da graduação da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero
Formação: Bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie
 Licenciada em Letras (Português-Latim) pela Universidade de S.Paulo
 Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Comunicação

 Social Cásper Líbero

Resumo:


Abílio Pereira de Almeida – o homem dos sete instrumentos é o título do trabalho

apresentado como dissertação de mestrado para obtenção do título de mestre em Comunicação pela
Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, em 27 de abril passado. Esse trabalho apresenta a
trajetória de vida do autor, ator e tantas outras funções exercidas por Abílio; uma vida cheia de
atividades, as mais variadas; uma vida que, com o passar dos anos, foi se transformando, acabando
por ter um fim inesperado. Vida que apresentou uma constante alternância entre momentos de luxo
e tranqüilidade econômica e momentos de preocupante instabilidade financeira. Nesta comunicação
pretende-se mostrar Abílio como ator de cinema e cineasta, traçando o caminho percorrido por ele

nessas funções, junto à Vera Cruz.

Introdução


Abílio Pereira de Almeida desempenhou um papel preponderante na constituição do

moderno teatro brasileiro, que teve seu apogeu nas décadas de 40 e 50. Grupos amadores de
teatro acabaram por criar o Teatro Brasileiro de Comédia, do qual Abílio participou ativamente.
Quase como conseqüência do TBC, surgiu a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, uma
primeira tentativa de produção do filme nacional tecnicamente de padrão internacional. De todas
essas atividades artísticas, Abílio foi parte integrante. No entanto, um estudo bibliográfico sobre
a matéria não vai fornecer muitos dados a respeito dele, a não ser em publicações de jornais da
época ou uns poucos livros técnicos que dedicam a ele um espaço no meio de vários outros
assuntos. Daí o objetivo deste trabalho: traçar o percurso de Abílio na Vera Cruz, quer como
ator, quer como diretor, argumentista, roteirista ou como diretor superintendente.
A pesquisa para tal foi efetuada através da leitura dos poucos livros e revistas
especializados, coleção de recortes de jornal ( material pertencente à família), entrevistas com
artistas, seus contemporâneos e a leitura e seleção de papéis particulares que se encontram no
sítio, em Vinhedo, lugar onde Abílio morava.
Pudemos observar, nos entrevistados, um carinho muito grande em relação a Abílio.
Todos foram unânimes em afirmar que ele tinha sido de grande importância no momento
histórico em que viveu e não ocupava o lugar que merecia dentro da história do teatro e do

cinema nacionais. Este é um trabalho de resgate de memória.

Desenvolvimento


As atividades artísticas de Abílio começam cedo: pode-se dizer que com as brincadeiras de

teatro, com a irmã, ou nas festas de fim de ano letivo, nos tempos do Colégio São Luiz. Sua
carreira tem começo no teatro, em representações beneficentes, quando ainda cursava a Faculdade
de Direito. Apresentações, em geral organizadas por Alfredo Mesquita com seu grupo de teatro
amador, o Grupo de Teatro Experimental, que, mais tarde, junto com outros grupos amadores, vem
a constituir a equipe que levou o sonho de um teatro brasileiro moderno à realidade. Aí foram

plantadas as raízes do que viria a ser o Teatro Brasileiro de Comédia (o TBC).

Posição firmada como ator de teatro, Abílio não se contenta com isso. Participa da

criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e toma parte no primeiro filme rodado,
“Caiçara”. Filme de alto nível técnico e padrão internacional, rodado em Ilhabela, estréia no Cine
Marabá e outras 15 salas em São Paulo, no dia 1 de novembro de 1950; impressiona profundamente
a crítica especializada e o grande público que comenta existir, agora, cinema no Brasil, sendo

“Caiçara” o início do grande cinema brasileiro.

Sobre sua primeira experiência no cinema, diz Abílio:


“Após muitos testes, eu fui convidado para fazer um papel muito importante em

‘Caiçara’, que foi o primeiro filme da Vera Cruz. Eu contracenava sempre com o Carlos Vergueiro
e a Eliane Lage que era minha mulher no filme. Eu não entendia absolutamente nada de cinema, de
decupagem, nem de script, de cenas; era absolutamente nulo, estava a zero no cinema, de modo que
assisti a aquilo tudo com muita curiosidade e comecei a trabalhar em locação. Eu já tinha muita
experiência de teatro, não só de amador mas de profissional, no qual eu representava e dirigia.
Outra coisa que me causou muita espécie era o sistema inglês de filmagem, pelo menos naquele
tempo. Nós filmávamos com coluna guia de som e se exigia, a direção ou a supervisão da produção
exigia duas tomadas boas para cada cena filmada; duas tomadas boas significava que teria que
satisfazer as exigências da câmera, da direção, da iluminação e do som. Nessas condições, para se
obter uma tomada boa, às vezes se filmava 30 ou 40 vezes a mesma cena. Isto prolongava demais o
período de filmagem e gastava muitas e muitas latas de filme, sendo que o recorde daquele tempo
pertenceu ao ‘Tico-tico no Fubá’ em que se gastaram mais de 80 mil metros de filme. Quando o
‘Tico-tico no Fubá’ ficou montado em primeiro copião de trabalho tinha 8 horas de projeção.
Nessas condições, em ‘Caiçara’ eu me lembro que eu tinha que morrer num barco a vela e a cena
era tomada em segunda unidade, em mar alto e eu levei 10 dias para que essa cena fosse
considerada boa, levei 10 dias morrendo lá em alto mar, enjoando a bordo de um barquinho a
vela...” (1)

O segundo filme da Vera Cruz também conta com Abílio no papel principal; para o

papel, foi feita uma modificação no seu visual : o bigode foi raspado e os cabelos foram
encrespados; fica difícil reconhecê-lo. Seu personagem, Tonico, é um administrador de fazenda .
Esse filme é uma adaptação de sua peça “Paiol Velho” que, no cinema recebeu o nome de “Terra é
sempre terra”, drama realista e profundamente humano .As filmagens foram feitas na Fazenda Campo Alto, na região de Araras e também na
Fazenda Quilombo, na região de Campinas, ambas no estado de São Paulo.
Abílio continua relatando sua experiência num setor novo e pelo qual nutria uma grande
curiosidade; talvez tenha sido esse o desafio que o levou a acreditar e lutar para que a Vera Cruz
ocupasse o lugar que lhe era devido no meio artístico de então.
“Outra cena interessante, também de morte, foi no segundo filme da Vera Cruz, ‘Terra é
Sempre Terra’, em que eu era o Tonico e eu morria de derrame ou de um insulto cardíaco qualquer;
essa cena eu filmei 40 vezes, sendo, da primeira vez, 24 vezes; eles mandaram copiar, não ficaram
satisfeitos e eu tive que filmar mais 16 vezes. Era assim que se trabalhava na Vera Cruz.” (2)
O começo da atividade de Abílio como cineasta se confunde com o próprio começo das
atividades da Vera Cruz, uma vez que participou da criação da Companhia e teve papel
preponderante, como advogado, da constituição dela como pessoa jurídica.
Sob o título “Quando São Paulo filmava para o mundo”, publicado na Folha Ilustrada
de 6 de outubro de 1987, Sérgio Augusto se refere ao começo da Vera Cruz observando que, se São
Paulo era a terra da indústria, a indústria cinematográfica só poderia sair daqui, o que tinha sido dito
por um cineasta paulista, na década de 20.
No entanto, até o fim da década de 40 ela continuava sediada no Rio de Janeiro. Com a
implantação da Vera Cruz, em uma granja em São Bernardo, o ambicioso sonho paulista torna-se
realidade, embora por tão pequeno espaço de tempo. Não podendo ser chamada de “Hollywood dos
trópicos”, nome que foi dado à Atlântida, a carioca das chanchadas e contando com tantos italianos
em seus quadros, só poderia ser chamada de “Cinecittà da América do Sul”. E o foi.
“Começou assim, meio de brincadeira, com um modesto capital de 7500 contos, sem
ninguém pensar que a coisa ia crescer daquela maneira, virar um negócio de tantos milhões e
arruinar completamente o Zampari”, lembra Abílio Pereira de Almeida, que é chamado de “doublê”
de teatrólogo e cineasta pelo autor do artigo da Folha.
Seria mais interessante passarmos a palavra a ele mesmo para que conte como surgiu a
idéia de se fazer cinema em São Paulo.
“A fundação da Vera Cruz tem o seu lado pitoresco; isso se deu lá pelos idos de 1948. O
Franco Zampari, o casal Franco e Débora Zampari moravam na Rua Guadelupe, no Jardim
América; recebiam amigos, a alta sociedade e, depois de fundado o TBC, gente ligada ao teatro,

inclusive a minha pessoa.

E uma ocasião apareceu lá o Aldo Calvo com uma câmera (uma super 8 ou 8); ele e o

Adolfo Celi, que tinha vindo da Argentina dirigir o TBC. O Aldo Calvo foi o primeiro cenógrafo do
TBC: ele montou a minha peça ‘A Mulher do Próximo’. E inventaram de brincar de cinema. Nós
forjamos uma pequena história cujo entrecho era muito simples e até meio batido: ‘ roubo do
brilhante’ que é sobre um triângulo amoroso em que houve um rompimento e a mulher, para se
vingar do amante, forjou um roubo do brilhante que ela usava e o colocou, sem ser vista, no bolso
do Paulo (Fifi Assumpção e Paulo Coelho faziam os papéis principais) . Todos se dispuseram a
fazer uma revista nas pessoas e descobriram o brilhante e se incriminou o Paulo. Então ele foi
acusado de ladrão. Isso foi só um entrecho para dar margem a um filmezinho que se filmou
brincando de cinema e que, na semana seguinte, o Aldo Calvo levou lá revelado e projetou e saiu
bem montadinho, uma historiazinha engraçadinha e todo mundo se encantou com o filme e achou
extraordinário com que facilidade se filmava; e diziam ‘como é fácil filmar...’, ‘que beleza...’, ‘é
fácil..’. Essa idéia já estava sendo fermentada na cabeça do Franco Zampari porque ele achava que
podia aproveitar os elementos de artistas, técnicos e de cenografia, enfim todos os elementos de que
ele dispunha no TBC, e que não eram poucos, para o cinema e daí nasceu, dessa historinha, dessa
brincadeira, com um capital de 7500 contos, nasceu a Vera Cruz.” Esse primeiro filme, artesanal e
produto de uma brincadeira, está preservado, como nos informa Maria Rita Galvão em sua obra
“Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz”. O filmezinho foi doado à Cinemateca e a cópia
disponível está em péssimo estado de conservação, ressecada e com a perfuração imperfeita, não
permitindo que seja projetado antes de um tratamento para a sua recuperação.
O excesso de confiança em seu trabalho e na gama de contratados entre os melhores do
mundo que possuía em seus quadros gerou o slogan petulante e nada modesto que era apregoado
para quem quisesse (ou não) ouvir: “do planalto abençoado para as telas do mundo”.
“Criar grandes empresas e todo embasamento de técnicos, estúdios e equipamento, sem ter a
menor idéia do mercado ou das condições de produção, faz parte da tradição paulista do cinema
industrial – e não foi à toa que, nos referindo a ela, usamos por três vezes a palavra ‘mito’. A única
novidade é que, com a Vera Cruz, o mito pela primeira vez se concretiza.”(3) 
Financeiramente, por inexperiência, ingenuidade ou mesmo incapacidade empresarial, a
Vera Cruz se viu obrigada a encerrar suas atividades sem ter atingido “as telas do mundo”... “E o
sonho de um cinema brasileiro tipo exportação foi por água abaixo, para alegria das companhias

estrangeiras aqui estabelecidas.”

“Moral em Concordata” foi o terceiro filme da Vera Cruz. Foi censurado e cortado em São

Paulo, provocando reações de protesto no meio artístico. No Rio de Janeiro continuava proibido.
Depois do terceiro filme apresentado, era preciso rodar um filme cômico: os anteriores
haviam sido dramas.
Já havia a idéia: as peripécias de um motorista de caminhão, pobre, e a vida que ele enfrenta
à direção do seu veículo. A idéia era de Tom Payne e para o papel principal foi pensado, logo de
início, em Mazzaroppi, que era um comediante novo, com muito sucesso no rádio e começando a
aparecer na televisão, em programas ao vivo. O tipo que foi criado para “Sai da Frente” foi
conservado em todos os outros filmes de Mazzaroppi, mesmo depois do fim da Vera Cruz. Ele o fez
em filmes do Massaini e nas próprias produções.
Chamado para testes iniciais, Mazzaroppi revelou-se um homem de muito talento. Abílio fez
o script para ele, exclusivamente para ele, de uma história que se chamou “Sai da Frente”. Houve
uma continuação: “Nadando em dinheiro”, em que o motorista de caminhão (Isidoro) recebe uma
herança bem grande de um parente até então desconhecido e fica rico de repente. O filme é a
trajetória de Isidoro nas rodas da alta sociedade.
Mazzaroppi fez, ainda, para a Vera Cruz, “Candinho” e “O gato de Madame”, ambos com
roteiro e argumento de Abílio.
Quando do depoimento prestado por Abílio no MIS (Museu da Imagem e do Som),
perguntaram-lhe como ele definia Mazzaroppi e a resposta não se fez esperar:
“Eu acho o Mazzaroppi um homem de muito talento, tem um talento muito grande, tem uma
comicidade inata, muito extraordinária e é um admirável profissional, de muita tenacidade e muito
trabalhador. Tem um certo grau de humildade também pois está sempre procurando acertar. Ele faz
o cinema de bilheteria, procura um cinema comercial, sem grandes apelações, baseado na figura
central dele, na comicidade dele.”
Abílio compara-o a Dercy Gonçalves só que ele é mais completo em matéria de realizações
porque organiza empresas, produz muitos filmes e Dercy apenas interpreta e dirige a companhia. A
comparação não é feita tomando-se por base o talento, que os dois têm de sobra.
Na montagem de “Sai da Frente” houve um impasse: o diretor de montagem era o Oswald
Haffenrichter, montador premiado até com “Oscar”, e muito competente. Como era um filme

cômico, tinha que ser engraçado; ele via as cenas, não achava graça nenhuma e mandava cortar.

Com isso, jogou fora quase a metade do filme e o diretor, que era Abílio, tentava dizer que aquilo

era engraçado... e o diretor tem sempre que se submeter a editor chefe na montagem.
Quando o filme estreou, Abílio e Haffenrichter estavam no fundo da sala de projeção e a
cada tirada do Mazzaroppi, o público ria às gargalhadas. O Haffennrichter não entendeu nada e se
lamentava de ter jogado fora metade do filme. Ele era um homem premiado, oscarizado, que esteve
em campo de concentração, não podia rir das piadas do Mazzaroppi.
Abílio participa, como personagem, em “Ângela”, história baseada num conto de Hoffman,
“Sorte no jogo”, no qual ele é o padrasto de Ângela, figura principal vivida por Eliane Lage, um
jogador, que perde tudo no jogo.
O filme foi produzido e dirigido por Abílio e Tom Payne, sendo a distribuição feita
ainda pela Universal.
O papel de Abílio, nesse filme, é secundário mas ele o faz muito bem ora sendo um
filho dominado pela mãe, um fraco, dominado também pelo jogo. E é nesse ambiente que Abílio se
solta: jogando cartas numa mesa ou como espectador (e apostador) numa rinha, já não é mais o
personagem: parece até que não está representando, que está de fato vivendo aquele momento em
toda a sua intensidade. Sua atitude, seu olhar enquanto os galos se engalfinham, traduz toda a
emoção, toda a paixão que o jogo provoca nele. (Uma vez ele próprio declarou que o brasão de sua
família era uma dama de copas: jogo e mulher; e ele não sabia de qual gostava mais.) Em outras
cenas, é o ator correto que desempenha seu papel a contento.
Sob a direção de Fernando de Barros é lançado outro filme da Vera Cruz: com um
elenco de primeira linha como: Tonia Carrero, Anselmo Duarte, Paulo Autran, Alberto Ruschell, e
Ziembinski estréia “Appassionata”. Diz a caixa do vídeo: “No mundo da música, um escândalo
policial. Uma famosa pianista, acusada de um crime, tenta provar sua inocência e preservar sua
carreira. O dilema entre o amor e a arte numa trama apaixonante.”
Nesse filme, Abílio faz uma ponta: o delegado que faz as primeiras investigações.
Novamente a naturalidade e a presença desenvolta fazem pensar que ele faz isso todos os dias como
parte da sua rotina.
Quem assiste ao filme “Sinhá Moça” e procura o nome de Abílio nos créditos, não vai
encontrar. Pensa-se, então, que ele não participou desse filme. No entanto, numa cena quase final,
em que há o julgamento de um negro escravo, acusado de ter matado um empregado do patrão,
nessa cena de tribunal do júri (Anselmo Duarte como advogado de defesa), a fala do promotor dejustiça chama a atenção: não apenas pelas palavras mas por todo um conjunto de entonação de voz
e expressão corporal. Observando bem a fala e os gestos expressivos que só um advogado sabe
fazer num libelo acusatório, descobre-se, por baixo de estranho bigode, cavanhaque e suíças, o ator
Abílio Pereira de Almeida que, como não poderia deixar de ser, transforma-se no promotor público
com grande desenvoltura e maior naturalidade, convencendo o público que assiste ao filme de que
ele não faz mais nada na vida a não ser atuar num tribunal.
Já em “Candinho”, com Mazzaroppi, a pequena ponta que faz, como delegado de
polícia, não fica nada a dever às anteriores: é um delegado que ordena, que exige e sabe que deve
ser obedecido pelo tom de sua voz.
Um dos seus últimos trabalhos na Vera Cruz foi a pesquisa histórica sobre os
acontecimentos que tiveram lugar em 1822, em nossa Corte, no Rio de Janeiro e que culminaram
com a proclamação da independência do Brasil. Abílio mergulhou de corpo e alma nessa pesquisa
e, como resultado dela, tivemos o argumento de mais um filme, bem cuidado e caprichado, como
todos os outros da Vera Cruz: “Independência ou Morte”, que estreou em 2 de setembro de 1972 em
Curitiba, em 4 de setembro de 1972 em São Paulo, Brasília, Niterói, Piracicaba, Santos, Petrópolis,
Porto Alegre, Goiânia, Salvador, Recife, Maceió, Belém e Manaus; em 7 de setembro de 1972 no
Rio de Janeiro como parte das comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil.
Abílio teve uma pequena participação nesse filme também. Há uma sessão da Maçonaria,
presidida por Clemente Pereira, interpretado por Abílio. Pode-se notar aí que sua figura já não é a
mesma: está magro, abatido, as faces encovadas; continua com a cabeça erguida, desempenhando
seu papel com naturalidade mas não há o mesmo brilho de antigamente em seus olhos, sinal de que
a depressão que tomou conta dele nos últimos tempos, já está se aproximando. Não foram fáceis as
pesquisas do teatrólogo Abílio Pereira de Almeida: ele consultou, assessorado pelo professor

Péricles Pinheiro, todas as fontes possíveis para obter o maior número de elementos”.

Houve a realização do I Festival de Cinema de Punta del Leste, no Uruguai.

Estavam presentes atores famosos do cinema internacional; quem estava no auge na fama,
no momento, era Cantinflas, que circulava pela cidade e era alvo dos olhares curiosos dos repórteres
que lá estavam para cobrir a mostra.
Do cinema americano, as divas da época: Joan Fontaine, Patricia Neal, Lizabeth Scott e o
francês Gerard Philippe.
Do Brasil, além de Abílio, estavam Anselmo Duarte, Marisa Prado e Tonia Carrero. Tinham
levado “Tico-Tico no Fubá”. A presença deles foi um sucesso total; ficaram 15 dias e, quando
apareciam em público, logo eram cercados pela imprensa e por fãs. Tonia era a mais admirada;
todos viravam a cabeça para ver “la brasileña”.
 O grande problema da Vera Cruz, desde seu primeiro filme, foi o custo de produção. Como
Zampari visava o mercado internacional (e ninguém compreendia seu raciocínio, muito menos a
imprensa) trouxe técnicos e uma equipe preocupada com o cinema perfeccionista, com um custo de
produção altíssimo, incompatível com a nossa realidade. Havia, também, o problema da demora em
aprontar os filmes; trabalhavam, em cada filme, equipes de 40 a 50 pessoas; havia vários assistentes
organizados num rígido sistema hierárquico.
Filmavam 40 vezes a mesma cena e depois, mandava-se um material absurdo para revelar e
copiar no laboratório; na sala de projeções eram escolhidas as melhores tomadas. Então ninguém
sabia o que escolher, era tudo a mesma coisa.
Assim o trabalho não caminhava, as despesas continuavam e o custo de produção aumentava
consideravelmente; tanto que a imprensa não acreditava nos valores e achava que havia, no
processo, uma grande roubalheira.
Na verdade, a Vera Cruz fazia filmes muito baratos em comparação com os gastos do
cinema americano ou europeu. Com todo esse gasto e sem bilheteria suficiente para dar o retorno, a
Vera Cruz não agüentou muito tempo; Zampari ainda tentou uma saída, colocando lá o seu dinheiro
mas não conseguiu. Quebrou a Vera Cruz, quebrou o Zampari e quebrou o TBC, uma vez que a
contabilidade dos três era uma grande mistura.
E aconteceu a quebra da Vera Cruz quando Zampari vinha voltando da Europa com dois

prêmios internacionais conquistados por “Sinhá Moça” e “O Cangaceiro”.

O Banco do Estado cancelou os financiamentos e colocou Abílio à frente da Vera Cruz,

coisa que não durou muito tempo dada, principalmente, a forma errada de trabalho, adotada desde o
início de suas atividades .
Havia leis de proteção mas, do jeito que eram aplicadas, mais parecia serem de proteção ao
cinema estrangeiro, prejudicando, sobremaneira, o nacional.
Todo mundo sabia quais eram os verdadeiros problemas, mas ninguém se mexia para
resolver coisa nenhuma.
“Eu pessoalmente acho que não teria resolvido nada, o erro fundamental não estava na parte
de produção, estava na impossibilidade de venda do produto.” (4)
Outro grande problema que havia, era a questão da distribuição de filmes: dava-se o filme
para o concorrente distribuir. Até uma criança percebe que isto não é viável.
Abílio, para contornar a situação, montou a Brasil Filmes, paralela à Vera Cruz, para
distribuir os filmes. Quando ele deixou a Vera Cruz, o novo diretor voltou a trabalhar com a
Columbia e o problema recrudesceu.
Quando os problemas passaram a ser políticos, Abílio e Zampari procuraram políticos,
diretorias de bancos e grupos de acionistas. Um longo procedimento jurídico de compra e venda de
ações teve início, Zampari foi afastado, ficando Abílio em seu lugar. Havia pessoal do Banco do
Estado fiscalizando os gastos e a contabilidade da Companhia e ajudando Abílio a organizar as
contas que estavam “na maior bagunça”.
Com as contas organizadas, Abílio conseguiu um financiamento e pôde produzir para a
Brasil Filmes; por pouco tempo, porém; quando ele saiu, havia “Ravina” em produção. Gastos
altíssimos, o Banco desanimou e cortou o financiamento.
Foi assim que se acabou a Vera Cruz e o sonho nacional de uma indústria de cinema de
padrão internacional, da qual, começando como ator, Abílio terminou como diretor

superintendente.

Considerações finais


Abílio Pereira de Almeida foi um homem como poucos; um homem que amou tudo o

que fez e se dedicou a tudo com grande entusiasmo.
Criticou a sociedade em que vivia e foi criticado, às vezes duramente, por ela. Não havia
lugar para consenso ou conformismo em sua vida. Suas armas eram a caneta ou a máquina de
escrever que iam alinhavando, costurando, construindo um universo bem semelhante ao que via
e no qual vivia.
E o público ria, se divertia e Abílio se divertia, por sua vez, ao notar que o público ria de
si mesmo.
Mas essa atitude acabou sendo penalizada: com o passar do tempo, houve mudanças
drásticas na sociedade, e ele foi sendo relegado a um ostracismo, merecido ou não, de acordo
com as opiniões contraditórias que sempre suscitou.
Num trabalho de resgate de memória, ele surge novamente; se esse trabalho será
eficiente e eficaz, só nos resta deixar passar o tempo outra vez para verificar.



Notas bibliográficas
1 – Abílio Pereira de Almeida: depoimento gravado para o MIS.
2 – idem
3 – idem
4 – Maria Rita Galvão, “Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz”, RJ. Civilização
 Brasileira, 1981, p.53.


Bibliografia

Depoimentos V. Rio de Janeiro. MEC – SEC – SNT. 1981
DIONYSOS. Rio de Janeiro. Ministério da Educação e Cultura. DAC. Funarte, Serviço
 Nacional de Teatro, set/80, número 25 – número dedicado ao TBC.
FESTER, Antonio Carlos Ribeiro. Em Moral Corrente no país. Dissertação de
 Mestrado apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
 Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
 Orientador Prof. Dr. Décio de Almeida Prado.
GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. RJ. Civilização

 Brasileira. 1981.

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sexta-feira, 7 de junho de 2013

PIETER BRUEGHEL - O VELHO - BIOGRAFIA


                                                       Pieter Brueghel, "O Velho" 
                                                           Suposto auto retrato
(Breda, 1525/1530— Bruxelas, 9 de setembro de 1569) foi um pintor de Brabante, célebre por seus quadros retratando paisagens e cenas do campo.

Pieter Brueghel, conhecido como Pieter Brueghel, "O Velho" (para distingui-lo de seu filho mais velho), foi o primeiro de uma família de pintores flamengos. Assinou como Brueghel até 1569, ano em que retirou o "h" do sobrenome, como viria a acontecer também com seus filhos.
"O Velho", considerado um dos melhores pintores flamengos do século XVI, é o membro mais importante da família. Provavelmente, nasceu em Breda, nos Países Baixos
Foi admitido como mestre na guilda de São Lucas com 26 anos, em 1551, e como aprendiz de Coecke Van Aelst, artista de Antuérpia, escultor, arquiteto e artífice de tapeçarias  e vitrais. Foi nesta altura que Brueghel viajou para a Itália, onde produziu uma série de pinturas, a maior parte das quais representando paisagens. Sua primeira obra assinada e datada foi produzida em Roma, em 1553.
Em 1553, se estabeleceu em Antuérpia e dez anos depois mudou-se para Bruxelas permanentemente. Casou-se com Mayken em 1553, filha de Van Aelst, seu mestre.
Sabe-se muito pouco sobre a personalidade de Brueghel, para além de algumas palavras de Carel van Mander: «Era um homem tranquilo, sábio e discreto. Mas, quando estava acompanhado, era divertido e gostava de assustar as pessoas e os seus aprendizes com histórias de fantasmas e outras diabruras.»
É também conhecido como Brugel, O camponês, alegadamente por ter tido o hábito se vestir como camponês, como forma de se misturar com o resto da população, em casamentos e outras celebrações, com o intuito de se inspirar para as suas criações.
                                                 A queda dos anjos rebeldes
Viajou pela Itália para aprender a forma de pintar dos renascentistas, permanecendo, como interno, uma temporada no atelier de um professor siciliano.
Foi um pintor de multidões e de cenas populares, com uma vitalidade tal que transborda do quadro. Além da sua predileção por paisagens, pintou quadros que realçavam o absurdo na vulgaridade, expondo as fraquezas e loucuras humanas, que lhe trouxeram muita fama. A mais óbvia influência sobre sua arte é de  Hieronymus Bosch , em particular no início dos estudos de imagens demoníacas, como o "Triunfo da Morte" e "Dulle Griet". Foi na natureza, no entanto, que ele encontrou seu maior inspiração, sendo identificado como um mestre de paisagens. Ele é muitas vezes creditado como sendo o primeiro pintor ocidental a pintar paisagens como elemento central e não como um pano de fundo histórico de uma pintura.
Retratava a vida e costumes dos camponeses, sua terra, uma vívida descrição dos rituais da aldeia, da vida, incluindo agricultura, caça, refeições, festas, danças e jogos. Suas paisagens de inverno de 1565 (por exemplo "Caçadores na Neve") são tomadas como provas corroborativas da gravidade dos invernos durante a Pequena Era Glacial.
Utilizando abundante sátira e força, criou algumas das primeiras imagens de protesto social na história da arte. Exemplos incluem pinturas como "A luta entre Carnaval e Quaresma" (uma sátira dos conflitos da Reforma).
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quinta-feira, 30 de maio de 2013

LASAR SEGALL - BIOGRAFIA

                                                     

                                                      LASAR  SEGALL  - 1891 - 1957


Biografia
Lasar Segall (Vilna Lituânia 1891 - São Paulo SP 1957). Pintor, gravador, escultor, desenhista. De origem judaica, inicia estudos de arte, em 1905, na Academia de Desenho do mestre Antokolski, em Vilna, na Lituânia. Muda-se para a Alemanha em 1906 e estuda na Escola de Artes Aplicadas e na Academia Imperial de Belas Artes, em Berlim. Viaja para a cidade de Dresden, onde freqüenta a Academia de Belas Artes. Amplia seu contato com a pintura impressionista e realiza, em 1910, a primeira mostra individual na Galeria Gurlitt. No final de 1912, vem para o Brasil e no ano seguinte expõe em São Paulo e Campinas. No mesmo ano retorna à Europa. Inicialmente, realiza uma pintura de derivação impressionista, com influência de Jozef Israël e de Paul Cézanne (1839-1906). A partir de 1914, passa a interessar-se pelo expressionismo, desenvolvendo-se plenamente nessa estética em 1917. Em 1919, em Dresden, funda com Otto Dix (1891-1969), Conrad Felixmüller (1897-1977), Otto Lange (1879-1944) e outros, o Dresdner Sezession Gruppe 1919, grupo que agrega artistas expressionistas da cidade. Em 1921, publica o álbum de litografias Bübüe e, em 1922, o Erinnerung an Wilna - 1917 com águas-fortes. Volta ao Brasil, onde fixa residência em São Paulo, no ano de 1923. Na capital paulista, Lasar Segall é destaque no cenário da arte moderna, considerado um representante das vanguardas européias. No ano seguinte, executa decoração para o Baile Futurista do Automóvel Clube e para o Pavilhão Modernista de Olívia Guedes Penteado (1872-1934). É um dos fundadores da Sociedade Pró-Arte Moderna - Spam, em 1932, da qual se torna diretor até 1935. Dez anos após sua morte, em 1967, a casa onde morava, na Vila Mariana, em São Paulo, é transformada no Museu Lasar Segall.
A GREVE
Comentário 
Lasar Segall viaja para a Alemanha em 1906, onde freqüenta a Academia de Belas Artes de Berlim, na qual predominam tendências ligadas aos movimentos impressionista e pós-impressionista. No quadro Sem Pai, 1909 as pinceladas livres lembram o impressionismo, porém a obra tem uma atmosfera sombria, reforçada pelos tons escuros da paleta e destaca-se pela caracterização social e psicológica dos personagens. Em 1910, Segall estuda na Academia de Belas Artes de Dresden. Passa a adotar tons mais claros, embora permaneça a tendência ao monocromatismo, característica de toda a sua produção, como, por exemplo, em Leitura, 1914. Revela admiração pela obra de Paul Cézanne, principalmente pelo aspecto construtivo da pincelada, como podemos observar em Violinista, 1912.

Seu primeiro contato com o Brasil ocorre em 1913, quando expõe em São Paulo e em Campinas, retornando a Dresden no mesmo ano. Para a historiadora Claudia Valladão de Mattos, a partir de 1914, o artista revela interesse pelo expressionismo, busca uma nova linguagem pictórica e uma caracterização psicológica mais aguda para suas figuras. A pintura de Segall, sob o impacto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), reflete a preocupação com as injustiças sociais e o sofrimento humano. Seus quadros são estruturados por meio de planos construídos em diagonais e apresentam uma tendência à geometrização, com o predomínio de formas triangulares. Segall utiliza cores escuras e contrastantes, como no quadro Aldeia Russa, 1912.

Em 1918, viaja para Vilna, sua cidade natal, fato que marca sua obra, por reforçar a identificação com algumas questões judaicas que se tornam importantes para sua experiência artística. Retorna a Dresden no mesmo ano. Substitui as cores mais vivas de seu primeiro momento expressionista por tons mais sóbrios, obtidos por meio de camadas sucessivas de tinta, em quadros como Kaddisch - Reza para os Mortos, 1918 e Eternos Caminhantes, 1919. Seus quadros nascem num ambiente artístico marcado pelo cubismo e pela segunda fase do expressionismo alemão, mais aderente a uma aproximação realista da figura, que inclui artistas como George Grosz (1893-1959) e Otto Dix. Entretanto, em comparação às cores vivas utilizadas por esses artistas, as obras de Segall têm caráter melancólico ou lírico e são trabalhadas em tonalidades sóbrias, com predomínio de ocres, cinza, negros e violetas. A gama cromática alude à tristeza em trabalhos como Pobreza, 1921, no qual a construção em formas angulosas triangulares, utilizada anteriormente, cede lugar a linhas mais arredondadas e a figuras que apresentam uma deformação expressiva, com cabeça e olhos enormes.

Em 1923, Lasar Segall muda-se para o Brasil, onde tem contato com os jovens modernistas. Nos primeiros trabalhos realizados no país, revela um deslumbramento pela luz e pelas cores tropicais. Sensibiliza-se não apenas com a paisagem mas também com o ambiente artístico brasileiro: sua produção mantém diálogo com obras de Tarsila do Amaral (1886-1973) , e de outros artistas locais. Nos quadros realizados logo após a chegada ao Brasil, a paleta de Segall se transforma. Os temas (mães negras, paisagens, favelas) são pintados em espaços abertos, com cores claras e luminosas. Realiza várias obras nas quais acentua o drama dos marginalizados pela sociedade. São desse período os quadros: Menino com Lagartixas, 1924 e Colina Vermelha, 1926.

Reside em Paris entre 1928 e 1932. Nessa época, produz obras com motivos brasileiros e também utiliza temas recorrentes, como o da emigração. O colorido vibrante de suas telas dá lugar a uma luz mais pálida e mais suave. Os quadros Família do Pintor e Maternidade (ambos de 1931) apresentam uma superfície mais espessa, que tem um paralelo com as esculturas que o artista começa a fazer. Segall passa a estruturar as composições por meio da mancha cromática e a linha não é mais tão predominante em suas obras. A experiência com a escultura contagia os tons e a superfície da pintura, as figuras adquirem volumes e aspectos mais escultóricos. As cores tornam-se terrosas, marrons, cinza, ocres, como nos quadros Mãe Negra, 1930 e Casa na Floresta , 1931.

A partir de 1935, pinta paisagens de Campos de Jordão, de cromatismo muito refinado. Sua obra adquire aspecto de matéria densa, com uma cor muito peculiar. Os temas ligados a dramas humanos permanecem em quadros de grandes dimensões: Navio de Emigrantes 1939/1940 e Guerra, 1942, entre outros. Na década de 1950, a arte de Segall revela mais liberdade plástica, aproximando-se da abstração, por exemplo, em Floresta Crepuscular, 1956. Nessa obra a natureza é a inspiração para os suportes verticais, nos quais se estabelece um sutil estudo de luz e cor.

Ao longo da carreira, dedica-se a várias técnicas de gravura. Em seus primeiros trabalhos, explora o uso das sombras, acentuando o claro-escuro. Para Claudia Valladão ocorre certo descompasso entre a produção gráfica de Segall e sua pintura no período entre 1914 e 1916. O artista, nas gravuras, se afasta da estética impressionista, em trabalhos como Cabeças, 1914, o que não ocorre em sua pintura, que passa por uma fase de transição. Em 1918, o artista produz cinco litografias inspiradas no conto Die Sanfte [Uma Doce Criatura], de Dostoievski (1821-1881). Elas representam ponto alto em sua produção, pela extrema concentração e simplificação das figuras, concebidas em formas geométricas, pelo traço econômico e pelo jogo que o artista estabelece entre formas e vazios. Na série Mangue, 1926/1929, realizada no Brasil, aborda o tema da prostituição; predomina um clima de tensão, estabelecido pela presença de elementos como persianas e cortinados ou por ambientes opressivos onde se situam os personagens. A série Emigrantes, 1927/1928 possui uma atmosfera mais amena, surgem espaços abertos com a representação do céu e do mar.

Os desenhos são importantes na produção de Segall e, como na gravura, apresentam temas recorrentes como o universo de desfavorecidos e marginalizados pela sociedade. O artista confere a suas figuras deformações expressivas e situa os personagens em espaços que os oprimem, o que gera um clima de tristeza e abandono.

O humanismo, revelado pela preocupação com a violência, a miséria e as injustiças sociais, e certo caráter lírico estão presentes em toda a sua carreira. Segall aborda temas universais, expressando-os com emoção, por meio da cor em sua pintura ou pelo jogo entre linha e vazio em suas produções gráficas.

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

BADEN POWELL DE AQUINO - BIOGRAFIA


Por Philippe Baden Powell

PARA QUEM NÃO SABE...
Baden Powell é considerado um dos maiores violonistas de todos os tempos e um dos compositores mais expressivos da nossa música. Criador de um estilo próprio, foi o violonista mais influente de sua geração, tornando-se uma referência entre os violões havidos e a haver. Sua música rompe as barreiras que separam a música erudita da música popular, trazendo consigo as raízes afro-brasileiras e o regional brasileiro.

ORIGENS
Baden nasceu no dia 06 de Agosto de 1937 em uma cidadezinha no norte do estado Fluminense chamada "Varre-e-Sai". Ele nunca soube me dizer porquê a cidade tem esse nome, mas sempre falou dela com muito amor. Dizia que seu pai o havia ensinado a ter saudades de "Varre-e-Sai". Meu avô se chamava Lilo de Aquino, mas tinha o apelido de "Tic", era sapateiro de profissão e chef de escoteiro. Meu pai ganhou o nome de Baden Powell em homenagem ao fundador do escotismo: o General britânico Robert Thompsom S. S. Baden Powell.

A música faz parte da história da nossa família há algumas gerações, meu bisavô, Vicente Thomaz de Aquino, foi um fazendeiro negro que fundou talvez uma das primeiras e únicas bandas de escravos que tocavam e cantavam suas raízes. Sempre ouví muitas histórias de meus ascendentes mas infelizmente não conheci meus avós. A família decidiu se mudar para o Rio de Janeiro e com apenas três meses Baden tornou-se carioca do bairro de São Cristóvão. Cresceu ouvindo música; contava as histórias de seu pai, violinista amador, que fazia reuniões musicais em casa com os amigos Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Jaime Florence (o "Meira"), entre outros bambas da música dessa época. Contava também que costumava acompanhar os saraus batucando no armário do quarto.

Com oito anos Baden se apaixonou por um violão que sua tia ganhara numa rifa. Ela não tocava nada e por isso o deixou pendurado na parede da sala. Baden ficava "namorando" o instrumento, mas era muito tímido pra pedir emprestado. Um dia não resistiu e pegou escondido o violão, enrolou-o em uma toalha e guardou debaixo da cama. Ficava descobrindo o som do instrumento e se encantando cada vez mais por ele, dizendo para si mesmo: "Eu vou tocar você!". Até que a mãe dele, limpando o quarto, achou o instrumento escondido e reagiu muito mal, exigindo que Baden o devolvesse a sua tia, coisa que ele se recusou. Quando "Seu Tic" chegou do trabalho, soube da história e entendeu que havia algum interesse se manifestando, ele decidiu iniciar o Baden nas primeiras posições de acordes do instrumento. Em poucas aulas Baden já havia esgotado o pouco conhecimento violonístico do pai e foi encaminhado aos cuidados do Meira, grande mestre violonista que foi também professor de Rafael Rabello e Maurício Carrilho.

TRIBUTO AO PROFESSOR MEIRA
Baden aprendeu muito rápido, estudou violão clássico pela Escola de Tárrega e participava ainda iniciante das rodas de choro organizadas pelo professor: "O Meira colocava a gente sentado em volta da mesa e eu tinha que tocar tudo de ouvido, sem direito a erro, senão o pessoal brigava!", relembrava Baden.

A prática e convivência com os melhores músicos da época lhe valeram boa parte da sua sabedoria musical. Baden era um prodígio gênial e seu talento se desenvolveu muito rápido. No ano em que completou nove anos participou do programa de calouros "Papel Carbono", apresentado por Renato Murce na Rádio Nacional, e conquistou o primeiro lugar como calouro/solista de violão, interpretando o choro "Magoado" de Dilermando Reis. Concluiu o curso de violão em quatro anos, aos treze tinha no repertório uma transcrição própria do Muoto Perpetuo de Paganini. Um dia seus pais foram chamados por Meira, que lhes disse não ter mais nada a ensinar ao jovem virtuose. A partir daí, começou a atuar profissionalmente recebendo seus primeiros cachês em bailes e festas no suburbio e na boemia Lapa. O primeiro conjunto que formou foi um trio composto por Milton Banana na bateria e Ed Lincoln ao contrabaixo.

UM VIOLÃO NA MADRUGADA
Terminado o ginásio no Instituto Cyleno, em São Januário, Baden começou a trabalhar como músico de orquestra na Rádio Nacional, e fez excursões pelo Brasil organizadas por Renato Murce onde os convidados principais eram artistas de cinema da época como Adelaide Chiozzo, Carlos Mattos, Eliana e Cyl Farney. Durante a década de 1950 integrou o Trio do pianista Ed Lincoln, atuando na Boite Plaza em Copacabana: ponto de encontro dos amantes da boa música, entre os quais figurava um certo jovem Antonio Carlos Jobim, admirador do violonista e também atuante na noite carioca. Sua fama de exelente músico se espalhou rápido e em pouco tempo ele já era um dos músicos mais requisitados entre cantoras, como Alaíde Costa e Elizeth Cardoso, e estúdios de gravação. Nessa mesma época Baden começou a compor com seus primeiros parceiros: Nilo Queiroz, Aloysio de Oliveira, Geraldo Vandré e Ruy Guerra. Nessa primeira leva nasceram "Deve ser amor", "Não é bem assim", "Rosa flor", "Conversa de poeta", "Vou por aí", "Canção à minha amada", mas seu primeiro grande sucesso veio em 1956: "Samba Triste" em parceria com Billy Blanco. No final da década de 50 ele gravou seu primeiro disco, "Apresentando Baden Powell e seu Violão", lançado pela gravadora Philips, que hoje é Universal.


UM VIOLÃO AFRO - BRASILEIRO
No início da década de 60, Baden tocava na boate Arpège, em Copacabana, e recebeu a visita do poetinha Vinicius de Moraes, que foi assistí-lo. A parceria Tom & Vinicius já fazia barulho e Baden ficou muito entusiasmado com o convite do poeta para que fizessem umas "musiquinhas" juntos. "O Vinicius chegou me mostrando uma letra que ele disse ter feito pra toccata 147 de Bach, Jesus Alegria dos Homens, e cantarolou: - Entre as prendas com que a natureza… Aí eu pensei que ele era maluco, hahaha!". Marcaram uns três "bolos" (encontros aos quais, um dos dois sempre faltava) e depois se trancaram no apartamento do Vinicius durante quase três meses; violão, máquina de escrever e o melhor amigo do homem, segundo Vinicius, o cão engarrafado: Whiskie. O Vinicius, que ainda era diplomata, pediu uma licensa ao Itamarathy e ligou para os pais do Baden avisando que ele ia ficar em sua casa uns dias. Imagina, o Baden mal havia entrado na casa dos vinte e tomava guaraná! Durante esse período nacseram diversas composições, a primeira paerceria chama-se "Canção de ninar meu bem" e da mesma safra outras viraram clássicos da Bossa Nova e da MPB, como "Samba em Prelúdio", "Só por amor", "Bom dia amigo" e "O Astronauta". Entre essas parcerias se destaca uma suíte cuja a linha temática é a história dos Orixás (santos na religião do Candomblé), batizada de "Os Afros-Sambas", que talvez seja a obra mais característica da dupla. Em um depoimento Vinicius disse: "[…] o disco os 'Afros-Sambas' de Baden e Vinicius' realizou um novo sincretismo, deu uma dimensão mais universal ao candomblé afro-brasileiro".

E assim o movimento "Bossa Nova" ganhou uma nova vertente. O sucesso da dupla foi muito grande, Baden e Vinicius eram figurinhas fáceis no programa "O Fino da Bossa" apresentado por Elis Regina, que fez com que muitas dessas parcerias se tornassem sucessos. Conta a lenda que a letra do "Canto de Ossanha" foi escrita para Elis minutos antes de um programa ir ao ar, e ela cantou lendo o manuscrito do poeta como se já soubesse a música. A divina Elizeth Cardoso, amiga de Vinicius, também foi uma voz que imortalizou várias canções e sambas de Baden. Também Ciro Monteiro dedicou um disco à parceria chamado de "Baden e Vinicius".

Paulo César Pinheiro também foi um parceiro musical da maior relevância na obra de Baden. Juntos compuseram uma obra influenciada pelo samba e pelo choro, com letras inspiradas na liguagem popular e erudita. Paulo César Pinheiro é um letrista cuja poesia traduz fielmente as melodias de Baden. A obra desta parceria é uma evolução harmônica, melódica e poética do samba. O primeiro samba composto pela dupla foi "Lapinha", vencedor da I Bienal do Samba no ano de 1968, defendido por Elis Regina, que também imortalizou "Cai dentro", "Aviso aos navegantes", "Samba do perdão" e "Vou deitar e rolar".



UM VIOLÃO NO MUNDO
Ainda durante a década de 60, Baden faz sua primeira visita à terra onde mais tarde se consagraria: a França. Na verdade, por motivos de força maior, Baden deixou de ir para os Estados Unidos, seu pai havia ficado muito doente e ele resolveu ficar no Brasil. Pouco tempo depois o “seu Tic” faleceu, deixando a lembrança de um Velho amigo, à quem Baden dedicou uma canção homônima, com letra do Vinicius. 

Convencido por um amigo, não duvido muito que tenha sido o próprio Vinicius, de que a Europa tinha muito mais a oferecer do que os EUA, o Baden trocou sua passagem Rio-NY por uma Rio-Paris e embarcou para a cidade luz. Ele permaneceu na França por vinte anos e depois mais 5 na Alemanha, acho que ele realmente gostou de lá. O fato é que Baden se apaixonou por Paris e pelo povo francês, que o acolheu tão calorosamente. Chegando em Paris foi logo encaminhado ao Quartier Latin, bairro boêmio, onde se concentrava toda a juventude parisiense - reduto dos artistas e da efervecência cultural. Baden começou a tocar em pequenos restaurantes e bares e logo chamava atenção pela sua singularidade sonora. Ele sempre me disse para estar preparado musicalmente para qualquer situação, e me contava que entre duas músicas interpretava uma de suas releituras dos clássicos brasileiros como Manhã de Carnaval, captando a atenção de quem estava assistindo.

Ao final de três meses, prazo de isenção de visto concedido pela França a todo visitante, o compositor, ator e cineasta francês Pierre Barouh, que escreveu uma linda versão do "Samba da Benção" - "Samba Saravah" -, conseguiu que o Baden fizesse uma apresentação na primeira parte do show do cantor Jacques Brel. Foi a grande oportunidade de Baden: uma apresentação para um público entendido e apreciador de música. Bem como ele me aconselhou, estava mais do que pronto, e no final de seu concerto foi chamado mais 8 vezes de volta ao palco! Estavam na platéia agentes e empresários, diretores de gravadoras e jornalistas, todos impressionados e surpresos por uma música original e cheia de energia, que misturava samba com batuque, música clássica com improvisação, e lindas melodias dos já sucessos da Bossa Nova. Aquele foi o início de sua carreira internacional, a partir dali foram uma sucessão de propostas que resultaram em vários discos, tournées pelo mundo e parcerias inesquecíveis com diversos artistas com Stéphane Grappelli, Michel Legrand, Liza Minelli e Claude Nougaro, entre outros.

VIOLÃO ETERNO
Baden Powell trilhou um caminho de sucesso, respeitado e reverenciado por sua musicalidade e genialidade como instrumentista. Ganhou reconhecimento mundial, deixando seus acordes gravados no coração de vários fãs pelo mundo. Gravou mais de 70 discos e recebeu diversos prêmios pelo conjunto de sua obra, deixando um imenso legado a todos os músicos e amantes da música. Sua influência é marcante e está presente nas novas gerações de músicos, contribuindo para a evolução da música brasileira.


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sábado, 14 de abril de 2012

BEETHOVEN - BIOGRAFIA


                                                       b e e t h o v e n (1770-1827)
 Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn (Alemanha), em 16 de dezembro de 1770, descendente de uma família de remota origem holandesa, cujo sobrenome significava ‘horta de beterrabas’ e no qual a partícula van, não indicava nenhuma nobreza. Seu avô, também chamado Luís, foi maestro de capela do príncipe eleitor de Bonn. O pai de Beethoven, Johann, foi tenor nessa mesma capela. Pretendeu amestrá-lo como menino prodígio no piano, mas era um homem fraco, inculto e rude, que terminou consumido pelo alcoolismo. Beethoven teve infância infeliz.

Aos oito anos de idade apresentou um concerto para cravo. Em uma carta pública de 1780, Christian Gottlob Neefe afirmava que o seu discípulo, Beethoven, de dez anos, dominava todo o repertório de J.S.Bach e o apresentava como um segundo Mozart. Beethoven fez os primeiros estudos em Bonn sob a orientação de Neefe (1781), tornando-se organista-assistente da capela eleitoral (1784).
Iniciou sua carreira de compositor com alguns lieder, três sonatas para piano e uns quartetos para piano e cordas. Sua fama começou a transcender e o príncipe eleitor o enviou para Viena. Maximiliano, arquiduque da Áustria, subsidiou seus estudos.
Foi uma viagem pouco proveitosa, pois Beethoven teve de voltar em pouco tempo para assistir a morte da mãe. Mesmo assim, chegou a conhecer Mozart já doente, absorto pela composição de Don Giovanni. Em Bonn, Beethoven atravessou um período de grandes dificuldades financeiras.
Pouco tempo depois, Haydn leu algumas de suas obras e convidou a voltar para Viena para seguir ‘estudos vigiados’ com ele. Também tomou lições com Albrechtsberg e Salieri. Exibia-se como pianista virtuose nos salões aristocráticos. Apesar das suas maneiras rudes e do seu republicanismo ostensivo, sempre esteve Beethoven generosamente protegido pela alta sociedade vienense (o arquiduque Rodolfo, as famílias Brunswick e Lichnowsky, o conde Rasumovsky etc.). Melhorou de posição social e formação musical pela ajuda de mecenas, que em 1792 lhe possibilitaram a mudança definitiva para Viena.
Em 1795 Beethoven publicou o sua primeira obra, integrada pelos Trios para piano Op. 1 (3). Obras que, como as Sonatas para piano Op. 2, mostravam a personalidade (embora não ainda o gênio) de seu criador. Esse gênio começou a se revelar só anos depois, em seu Op. 7 e Op. 10.
Os últimos anos do século XVIII parece ter sido a época mais feliz da desditosa vida de Beethoven: o sucesso profissional, a proteção e lisonja dos poderosos, as amizades profundas, talvez o amor. Embora várias figuras femininas tenham cruzado a sua vida, provavelmente a única realmente importante tenha sido a ‘jovem amada’, Giulietta Guicciardi, cujos 17 anos e encanto fútil conquistaram Viena, e a quem o compositor dedicou a sua Sonata ao luar.
Também foi nessa época (1801) que se instalou em Beethoven uma crescente surdez, que em pouco tempo se tornaria irreversível. Desesperado, Beethoven redigiu em Heiligenstadt, então subúrbio de Viena, seu testamento, decidido a suicidar-se. A crise foi, porém, superada e, sendo parcial sua surdez, o compositor ainda pôde continuar a sua carreira. Como ele mesmo descreveu, ‘foi a arte, e só a arte, que me salvou’. Beethoven utilizava uma corneta para atenuar sua surdez, antes de ter de usar os cadernos de anotações.
Foi o tempo de suaúnica ópera, Fidélio, exaltação do amor conjugal, das grandes Sonatas para piano - Patéticae Apaixonado, dos monumentais concertos, dos quartetos para cordas do período médio; o tempo, principalmente, das obras que lhe deram maior popularidade, suas revolucionárias sinfonias e, em especial, a Sinfonia n.º 5. Os membros da aristocracia austríaca, lhe concederam em 1809, uma pensão vitalícia. Sua carreira pública chegou ao ponto culminante em 1814, por ocasião do Congresso de Viena.
Depois desses sucessos, a surdez começou a piorar, isolando o mestre quase totalmente do mundo. A carência afetiva o levou a se trancar cada vez mais dentro de si mesmo. Seus últimos anos também se viram amargurados pela saúde precária, dificuldades financeiras e, principalmente, pelos problemas com seu sobrinho Karl, os quais, indiretamente, foram a causa da sua morte: após uma discussão, Beethoven saiu de casa no meio de uma tempestade, contraindo uma pneumonia que pôs fim a seus dias em 26 de março de 1827. O cortejo fúnebre contou com uma impressionante multidão de 20.000 pessoas, coisa inusitada em uma Viena que produzia gênios e depois, como Mozart, dava-lhe as costas.
Beethoven impressionou os contemporâneos, além de sua arte, pelas manifestações rudes de sua independência pessoal. Em torno de sua forte personalidade formaram-se lendas, destinadas a salientar os sofrimentos e a grandeza do homem titânico, chegando a falsear a perspectiva biográfica. A famosa carta (sem data e sem endereço) à ‘amada imortal’ não tem maior importância para a interpretação da obra, porque na arte de Beethoven não é sensível o elemento erótico. Errada também é a opinião de ter o mestre sofrido pela incompreensão dos contemporâneos: teve, em vida, os maiores sucessos e foi admirado como nenhum outro compositor.
Também teve notável êxito material e, chegou a ditar preços aos seus editores. Mas, sobretudo, foram mal compreendidos os efeitos de sua doença. Até 1814, a surdez não foi total, permitindo a elaboração de numerosas obras-primas musicais; depois dessa data, foi a própria surdez que abriu ao compositor as portas de uma nova arte, toda abstrata. A grandeza de Beethoven não foi, prejudicada pela surdez, e sua vida não se resume numa luta heróica contra a doença.
As obras de Beethoven são intensamente romântica pela extremo subjetivismo, no qual tem lugar a tragicidade patética e o júbilo triunfal, o idílio e o humorismo burlesco, o idealismo eloqüente e a música profunda. Mas a forma dessas manifestações é a do Classicismo vienense de Haydn e Mozart; são cuidadosamente elaboradas e severamente disciplinadas. Essa obra romântica é, paradoxalmente, a mais clássica que existe.
Beethoven viu-se admirado até a idolatria pelos seus contemporâneos. Sua influência sobre toda a música do século XIX foi avassaladora. Também as obras difíceis, as últimas sonatas e os últimos quartetos foram, enfim, compreendidos, e a imensa popularidade de Beethoven chegou a estender-se à Sinfonia n.º 9. Mas no fim do século começaram a surgir as primeiras vozes cépticas. Achou-se que Beethoven tinha escrito sinfonias, sonatas e quartetos os mais perfeitos, de modo que sua arte significava um fim, embora glorioso. Debussy ousou manifestar aversão à eloqüência do mestre. Na época moderna já não existem compositores beethovenianos. Sua influência parece terminada. Stravinsky encontrou palavras duras contra o subjetivismo e o emocionalismo do mestre, o que não o impediu de declarar a fuga para o Quarteto de cordas Op. 133 (1825), como a maior manifestação da música ocidental. Diferente de muitos outros compositores, Beethoven não foi menino prodígio. Teve evolução lenta. À sua primeira obra escrita e publicada em Viena deu o nome de Trios Op. 1, fazendo entender, com razão, apenas interesse biográfico e histórico. Também é necessário descontar algumas obras escritas por encomenda e elaboradas sem inspiração, como a Sinfonia de batalha, que foi composta em 1813 e apresentada em Viena em 1816 com sucesso retumbante mas efêmero.
Resta a grandiosa evolução, dos Trios Op. 1 até o último Quarteto Op. 135 (1826), evolução que não tem igual na história da música. O musicólogo russo Wilhelm von Lenz, considerando 1802 e 1814 como datas decisivas na vida do mestre, formulou a tese de três fases da criação de Beethoven: mocidade, maturidade, últimas obras. Embora cronologicamente inexata (algumas obras não se enquadram bem no esquema) a tese de Lenz é até hoje geralmente aceita.
Primeira fase - A primeira fase, de 1792 até 1802, caracteriza-se pelo frescor juvenil, pelo brilho virtuosístico, pelo estilo galante do séc. XVIII, embora interrompida por tempestades pscológicas bem pré-românticas e acessos de melancolia. Galante, naquele sentido, é o famoso Septeto Op. 20 (1799-1800); despreocupadamente alegre é a sua Sonata para piano e violino em fá maior Op. 24 - Primavera (1801); bem mozartiano ainda é o Concerto para piano n.º 3 em dó menor (1800).
A melancolia manifesta-se na Sonata para piano n.º 3 em ré maior Op. 10 (1796-1798), nos Quartetos Op. 18 (6) (1798-1800) e na Sonata para piano e violino n.º 2 em dó menor Op. 30 (1802), mas sobretudo na célebre Sonata para piano n.º 2 em dó sustenido menor Op. 27, à qual a posteridade tem dado o apelido de Sonata ao luar. Obra capital do pré-romantismo beethoveniano é a Sonata para piano em dó menor Op. 13, à qual o próprio mestre deu o nome de Patética (1798). A evolução do mestre evidencia-se na diferença sensível entre a Sinfonia n.º 1 (1799) e a Sinfonia n.º 2 (1802).
Duas obras das mais conhecidas de Beethoven não se enquadram bem no esquema de Lenz. Em 1803, já em plena segunda fase, a famosa Sonata para piano e violino em lá maior Op. 47 - Kreutzer é o exemplo mais brilhante da primeira fase. Por outro lado, já em 1802, a Sonata para piano n. 2 em ré menor Op. 31 manifesta toda a tragicidade do gênio beethoveniano.
Segunda fase - A segunda fase, a da plena maturidade, abre em 1803 com a colossal Sinfonia n.º 3 em mi bemol maior - Eroica. Do mesmo estilo trágico são, em 1804, a sombria Sonata para piano em fá maior Op. 57 - Apaixonado, e o segundo ato da única ópera de Beethoven, Leonora (mais tarde rebatizada Fidélio). Mas ao mesmo tempo, em 1804, escreveu o mestre a triunfal Sonata para piano em dó maior Op. 53 - Aurora (ou Waldstein) e, depois de duas aberturas menos bem logradas para a ópera, a Leonora n.º 3 (1806), que conquistou a sala dos concertos, talvez a mais gloriosa de todas as aberturas. Do ano de 1806 também são o intensamente lírico Concerto para piano n.º 4 em sol maior Op. 58, o majestoso Concerto para violino em ré maior Op. 61, e os Quartetos Op. 59, em fá maior, mi menor e dó maior, dedicados ao conde Rasumovsky, os quartetos mais brilhantes que existem.
Depois as obras-primas seguem-se sem interrupção: a trágica Sinfonia n.º 5 em dó menor (1805-1807), a mais famosa de todas, e a não menos trágica abertura Coriolano (1807), a idílica Sinfonia n.º 6 em fá maior - Pastoral (1807-1808), a sombria Sonata para piano e violoncelo em lá maior Op. 69 (1808) e o Trio para piano em ré maior Op. 70 (1808), de profunda melancolia; em 1809, a Sonata para piano em mi bemol maior Op. 81 - Os adeuses. Em 1810, a música de cena (incluindo grandiosa abertura) para a peça de Egmont, de Goethe; em 1812, a Sinfonia n.º 7 em lá maior, a mais intensamente poética de todas, a humorística Sinfonia n.º 8 em fá maior (1812) e o justamente famoso Trio para piano em si bemol maior Op. 97 - Arquiduque; enfim, em 1812, a última Sonata para piano e violino em sol maior Op. 96, despedida poética da segunda fase.
Terceira fase - Depois das festas de 1814, Beethoven, agora completamente surdo, retira-se para a solidão, elaborando uma música totalmente diferente, abstrata, interiorizada. O pórtico da terceira fase é a gigantesca Sonata para piano em si bemol maior Op. 106 - Sonata para piano (1818). Seguem, 1820-1822, as três últimas sonatas para piano, em mi maior Op. 109, em lá bemol maior Op. 110 e em dó menor Op. 111. A última, Op. 111, seria - dir-se-ia - o sacrossanto testamento pianístico de Beethoven, se não tivesse escrito, em 1823, as 33 Variações sobre uma valsa de Diabelli Op. 120. Sobre um tema banal, a maior obra de variações da literatura musical.
Do mesmo ano de 1823 são a Sinfonia n.º 9, que o coral do último movimento, que assustou os contemporâneos e é hoje a obra mais popular do mestre, e a gloriosa Missa solene, obra de religiosidade livre de um grande individualista. Em 1824 inicia Beethoven o ciclo dos últimos quartetos: em mi bemol maior Op. 127, em lá menor Op. 132 (1825), em si bemol maior Op. 130 (1825), do qual foi separada a Fuga final Op. 133. Enfim, em 1826, o Quarteto em dó sustenido menor Op. 131, mais uma dessas obras gigantescas para o pequeno elenco de quatro instrumentos de cordas, e o comovente último Quarteto em fá maior Op. 135 (1826). São obras de inigualável profundeza artística e grandes documentos humanos.
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EUGÈNE DELACROIX - BIOGRAFIA


                   


                         EUGÈNE DELACROIX - Charenton, 1789 - Paris, 1863

Pintor francês. Filho de boa família, segue estudos artísticos e desfruta de bons mestres. Em 1825 viaja para Londres, onde a sua obra é muito bem recebida. Em 1832 viaja por Espanha e pelo Norte de África, difundindo na Europa a moda da temática moura. Homem bem considerado na sociedade francesa do seu tempo, recebe importantes encomendas, foi amigo íntimo de Chopin, ingressa no Instituto de França... Também a sua obra litográfica é notável (ilustrou Hamlet e Fausto). Após a restauração dos Bourbons surgem os concursos pictóricos anuais de Paris (os Salões). No de 1824, Delacroix apresenta Les massacres de Scio. O vivo contraste desta obra, que apresenta um vigoroso desenvolvimento das características da pintura romântica, com a ditadura neoclássica, desencadeia uma apaixonada oposição do seu principal representante, Ingres. Mas lentamente impõe-se o novo gosto, e o mundo antigo passa para segundo plano, substituído pela Idade Média e o Próximo Oriente. Delacroix representa o cume da pintura romântica. É um apaixonado da vitalidade, da exuberância e do esbanjamento de cores, como Rubens ou Rembrandt. De facto, na obra de Delacroix a cor é mais importante que o desenho.

                              
                      O quadro representa a travessia do rio Aqueronte, por Dante e virgílio


Os temas escolhidos por Eugène Delacroix reflectem directamente a sensibilidade romântica. Les massacres de Scio é um canto ao heroísmo do povo grego na sua luta pela independência. La mort de Sardanapale é uma rica cena oriental. O mundo árabe está presente em muitas outras obras suas, entre as quais sobressai Femmes d’Arger dans leur appartement. Entrée des croisés à Constantinople é de inspiração medieval. Mas o seu quadro mais famoso é La Liberté guidant le peuple, também conhecido por Le 28 Juillet, alegoria da revolução de 1830.

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LUIZ VAZ DE CAMÕES - BIOGRAFIA

1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. - 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. - 1551: Regressa a Lisboa. - 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. - 1553: É libertado; embarca para o Oriente. - 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. - 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja. - 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. - 1567: Segue para Moçambique. - 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. - 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. - 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.

1552. Corpus Christi. No Largo do Rossio dois mascarados lutam com Gaspar Borges, funcionário da Cavalariça Real. Camões aproxima-se, reconhece os mascarados, são amigos seus. Não hesita, mete a mão no bolso e parte para a rixa. Faca em punho, movimento nervoso, cutilada no pescoço do adversário. A noite acaba em sangue. Camões é preso e levado para a cadeia do Tronco.
A mãe, Dona Ana de Macedo, chora a prisão do filho. Vive em súplica de perdão para Luís: visita ministros reais e o próprio Borges. Passados nove meses a vítima, já restabelecida do ferimento, resolve atender ao pedido.
É dia de alguma liberdade para Camões. O poeta deixa as masmorras sob duas condições: primeiro tem de pagar multa de 4 mil réis ao esmoler d’El-Rei; depois, embarcar para a Índia e servir por três anos na milícia do Oriente.
Em Março de 1553 o poeta parte para Goa na São Bento, nau incorporada à frota comandada pelo capitão Fernão Álvares Cabral. É soldado raso. Chega à capital da Índia portuguesa seis meses depois. Pena e papel sempre à mão, o poeta escreve sobre o que vê:
"(...) Cá, onde o mal se afina e o bem se dana,E pode mais que a honra a tirania;Cá, onde a errada e cega monarquiaCuida que um nome vão a Deus engana;(...) Cá neste escuro caos de confusão,Cumprindo o curso estou da natureza.Vê se me esquecerei de ti, Sião!" (1)
Camões participa numa expedição punitiva contra o Rei de Chemba, na Costa do Malabar, enviada pelo Vice-Rei D. Afonso de Noronha. Vitória. O poeta regressa a Goa. Em Fevereiro de 1554 parte novamente sob o comando de D. Fernando de Meneses. Desta vez em perseguição a navios mouros que comercializavam entre a índia e o Egipto, prejudicando o monopólio mercantil dos portugueses. A frota só volta à Índia em Novembro do mesmo ano.
Chegam as férias militares, fim do soldo. Para ganhar alguns trocados, Camões escreve versos e autos por encomenda de um poderoso senhor que os apresenta como seus à pretendida. Em troca, restos de comida. O poeta também se torna escriba público. São muitos os soldados analfabetos. Camões escreve cartas para os seus familiares no Reino. Assim vive em Goa até 1556: "Junto de um seco, duro, estéril monte"(2). "Numa mão sempre a pena e noutra a espada".(3)
Fim do estágio obrigatório na milícia do Oriente. Camões é nomeado provedor-mor em Macau, entreposto comercial de portugueses na China. É encarregado de arrolar e administrar provisoriamente os bens de pessoas falecidas ou desaparecidas. Lá, descobre uma estreita gruta, refúgio. Passa horas a escrever, Os Lusíadas: a viagem épica de Vasco da Gama e, no extremo sul da África, o gigante Adamastor a tentar impedir o avanço dos nautas portugueses:
«Eu sou aquele oculto e grande CaboA quem vós chamais de Tormentório.»
Heróis trágico-marítimos; deuses mitológicos, paixões, intrigas, batalhas, aventuras e cobiças. Histórias de um minúsculo Portugal em expansão, «mais do que prometia a força humana»...
No regresso, o susto, o naufrágio. Está na Costa de Camboja, próximo do Rio Mecom. Camões salta do barco. Os Lusíadas colados ao corpo. Braçadas. Mais braçadas. Turbilhão de água, escassez de ar. Camões nada, incansavelmente. Terra firme. Ainda não perdeu os sentidos. Sabe que está vivo. Olhar de soslaio, o manuscrito está salvo. Já pode desmaiar. O corpo a transpirar, ardência, febre. A infância, paixões e conflitos, lampejos. Mazelas.
Fidalgo pobre, de família arruinada, tem uma infância cheia de privações. O pai, Simão Vaz de Camões, deixa filho e esposa, em busca de riquezas nas Índias. Morre em Goa. A família desamparada. O menino Luís Vaz assiste ao novo casamento da mãe. Um estranho ocupa o lugar do falecido.
É educado em Lisboa por dominicanos e jesuítas. Vive um período em Coimbra, onde faz o curso de Artes no Convento de Santa Cruz. O tio, D. Bento de Camões, é prior do Mosteiro e chanceler da Universidade. Camões frequenta os centros aristocráticos, onde tem acesso às obras de Petrarca - a quem toma por modelo -, Bembo, Garcilaso, Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro, entre outros. Domina a literatura Clássica da Grécia e Roma; lê latim, sabe italiano e escreve o castelhano.
Conta-se que o poeta é levado a frequentar o Paço por D. António de Noronha, cuja morte é citada num soneto. Ali conhece Dona Caterina de Ataíde, Dama da Rainha, por quem se apaixona perdidamente. O objecto de paixão é imortalizado na sua lírica sob o anagrama de Natércia. Há quem diga ainda que o autor d’Os Lusíadas se enamora da própria Infanta D. Maria, irmã de D. João III, Rei de Portugal.
Talvez boatos, como tantos outros acerca de sua vida. O que se sabe ao certo é que os seus amigos são vadios que se amotinam pelas ruas da cidade; as suas mulheres, meretrizes. O Malcozinhado, bordel de má fama lisboeta, é o lugar preferido para refastelar-se. Gosta de fitar o sexo oposto. Assedia, fala, canta. É jocoso. Convida a dançar, cheiro a cravo. Saiotes a girar, contentamento. Inspiração:
"Amor é fogo que arde sem se ver;É ferida que dói e não se sente ;É um contentamento descontenteÉ dor que desatina sem doer..."(4))
Mas a vida do poeta não é feita só de encontros fortuitos. Alterna pequenos momentos de regozijo com indagações profundas sobre si mesmo. Nos seus pensamentos, os apetites carnais entram em colisão com a visão platónica que tem da mulher e dos sentimentos amorosos. Transfere a contradição para a lírica. Compõe o amor no seu mais alto anseio espiritual, afectivo. O amor transcendente, imaculado:
"Transforma-se o amador na cousa amada,Por virtude do muito imaginar,Não tenho logo mais que desejar,Pois em mim tenho a parte desejada.Se nela está minha alma transformada,Que mais deseja o corpo alcançar?Em si somente pode descansar,Pois consigo tal alma está liada." (3)
Mas também evoca o erotismo, os desejos e a arte de tão bem seduzir. Dirá mais tarde, n’Os Lusíadas:
"Oh! Que famintos beijos na floresta,E que mimoso choro que soava!Que afagos tam suaves, que ira honesta,Que em risinhos alegres se tornava!O que mais passam na manhã e na sesta,Que Vénus com prazeres inflamava,Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo;Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo." (5)
Num plano mais terreno, Camões tem outras inquietações. É apontado como sujeito folgado e briguento. Ganha a alcunha de Trinca-Fortes. As suas desavenças dão origem ao desterro, em 1548. Segue para o Ribatejo. No bolso, nem um vintém. Amigos afortunados garantem-lhe cama e comida.
Vive seis meses na província, de favores. Resolve alistar-se na milícia do Ultramar. Embarca para Ceuta no Outono de 1549. Perde o olho direito numa escaramuça contra os mouros inimigos de Cristo. Em 1551, volta a Lisboa. Amargura, desilusão:
"(...) Que castigo tamanho e que justiça.(...)Que mortes que perigos, que tormentas,Que crueldades neles experimenta."(6)
O poeta anda muito calado. Reflexões. Confessa aos amigos que sente despedaçados todos os valores em que acredita, ele, homem de princípios cristãos. Aflito com as diferenças entre utopia e realidade, aspiração e recompensa. Já escrevera sobre a contradição entre o que julga ser moral, racional e o que realmente testemunha e vive. É o "desconcerto do Mundo, em que os bons vê sempre passar no mundo graves tormentos, os maus vê sempre nadar em mar de contentamentos" (1). Tais injustiças passam a ser tema constante na sua lírica. Descreve os seus infortúnios, aponta com desprezo a sede cobiçosa, o querer tiranizar (1). Também não lhe escapam as transformações às quais os homens estão sujeitos:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontadesMuda-se o Ser, muda-se a confiança;Todo mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades." (3)
Camões acorda na praia. Tudo embaçado, imagens sem sentido. Sonho e realidade confundem-se. Abandona-se. Chora a perda da mulher amada: Dinamene, a chinesa, "aquela cativa que me tem cativo"... Ela, que viajou em sua companhia, não sobreviveu ao naufrágio.
Luís Vaz levanta-se, caminhar trôpego, desconsolo:
"Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no céu eternamente E viva eu cá na terra sempre triste." (3)
Permanece na região em companhia de monges budistas, até que um dia é levado de volta a Goa num navio português.
Em Goa, sempre as atribulações: um empréstimo aqui, outro acolá. Finta. Um credor zanga-se. Cadeia. Do cárcere, Camões invoca os bons ofícios do Conde de Redondo, vice-Rei da Índia Portuguesa, nuns versos humorísticos escritos por volta de 1562. O vice-rei concede-lhe a liberdade. O poeta é ainda distinguido com a sua protecção.
Nesta época mantém contactos com outras figuras importantes. Representa o auto do Filodemo ao governador Francisco Barreto. Compõe uma ode a favor do vice-rei D. Constantino de Bragança, defende-o contra críticas. Também é amigo do vice-rei Francisco de Sousa Coutinho. Ganha de um deles a nomeação para a feitoria do Chaul, mas não chega a ocupar o cargo. Convive com Diogo do Couto, o continuador das "Décadas", e com Garcia de Orta. O médico, naturalista e ex-catedrático de Lisboa pede-lhe uma ode para acompanhar a primeira edição dos "Diálogos dos Simples e Drogas".
Apesar das boas relações, Camões queixa-se da vida difícil. Resolve então celebrar as próprias desgraças, é o que diz aos companheiros. Banquete. Mas na mesa, não há iguarias nem bom vinho.
Heliogábalo zombava das pessoas convidadas, E de sorte as enganava,Que as iguarias que dava Vinham nos pratos pintadas. Não temais tal travessura, Pois já não pode ser nova; Que a ceia está segura De não vos vir em pintura, Mas há de vir toda em trova." (3)
Em 1567, Camões conhece Pêro Barreto. Nomeado capitão para Moçambique, Barreto promete-lhe um emprego e adianta-lhe o pagamento da passagem. Dívida prolongada. Os dois brigam. O Capitão manda prendê-lo, rotina.
Fome. Os amigos mais uma vez ajudam-no. Inverno. Camões fecha-se na poesia. Retoca os seus Lusíadas. Deseja muito imprimi-los. Nestes dias de frio, o poeta nunca larga a sua pena: compõe o "Parnaso Lusitano", colectânea de poemas líricos. Obra de muita erudição, consideram os amigos. Um ladino leva-a, fim desconhecido.
Finais de 1569. Nos últimos meses, o poeta fala muito na Pátria, que tanto exalta em seus cantos. Saudades. Diogo do Couto junta uns amigos, compram roupas a Camões, pagam-lhes as dívidas e ajudam-no a deixar Moçambique.
Camões chega a Lisboa na Santa Clara, em 1570. Traz com ele Jau, um escravo javanês comprado em Moçambique, e os dez cantos d’Os Lusíadas. Na capital portuguesa vai viver com a mãe, na Mouraria. A sua penúria é ainda maior. O poeta abatido pousa a cabeça na escrivaninha e queixa-se em voz baixa: "Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados!
Apenas uma ambição: editar Os Lusíadas. Macambúzio, roupa apertada e esgarçada, restos de altivez, o poeta pede ajuda ao Conde de Vimioso, D. Manuel de Portugal. Permissão real para levar adiante o seu projecto. Júbilo. O censor, Frei Bartolomeu Ferreira, concede-lhe o imprimatur. Mas antes, lê o poema e faz algumas modificações: limpeza de certos indícios de impiedade.
Na oficina do Mestre António Gonçalves, à Costa do Castelo, a obra de Camões ganha corpo. Desatenção: duzentos exemplares cheios de erros tipográficos. Correm os primeiros meses de 1572.
Após a publicação, D. Sebastião, o jovem monarca, concede ao poeta uma tença trienal de 15 mil réis, ou seja 40 réis por dia, "em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar". Vale lembrar que, nesta época, um carpinteiro ganha em média 160 réis por dia. A pensão é renovada em 1575 e novamente em 1578. Conta-se que o poeta sobrevive juntando estes proventos às esmolas recolhidas pelo escravo javanês.
O seu nome começa a fazer eco. Composições líricas e até cartas suas - uma escrita em Ceuta, outra na Índia e mais duas escritas em Lisboa - passam a ser recolhidas em cancioneiros particulares manuscritos.
Em 1579 a peste assola Lisboa. Num quarto escuro, Camões estirado na cama. Tem muita febre e já ninguém duvida que é mais uma vítima da doença. Na boca, um gosto, misto de gengibre, canela, cominhos e açafrão: remédio contra a pestilência. Dona Ana de Macedo segue todas as receitas conhecidas: sangria e até sumo de serpilho misturado com leite de mulher. Na casa, o fogo sempre aceso para queimar o ar que tresanda.
O autor d’Os Lusíadas está muito fraco, mas insiste em escrever. Remete uma carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa, à independência nacional ameaçada. "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".
A mãe deixa o quarto, prato de comida intacto nas mãos. O poeta já não reage. Desvanece
"Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,Se por acaso é verdade que inda vivo;(...) Choro pelo passado; e, enquanto falo,Se me passam os dias passo a passo.Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena." (3)
O seu corpo é sepultado num canto qualquer da banda de fora do cemitério do Convento de Santana. E ainda assim graças à Companhia dos Cortesãos, que paga as despesas do funeral. Segundo os amigos mais próximos, os últimos anos de Camões são vividos na mais absoluta miséria. À mãe deixa apenas a tença que lhe foi atribuída e a ela transferida.
Depois da sua morte cresce o interesse pelos seus poemas - apenas três deles publicados em vida - e pelos seus autos e comédias: Auto dos Anfitriões, Auto d’El Rei-Seleuco e o Auto de Filodemo.
Em 1548 sai a segunda edição d’Os Lusíadas, chamada "Dos Piscos". Expurgada pela censura, que a mutila, principalmente por motivos religiosos, até à quarta edição em 1609. Em 1670, contam-se 18 edições dos cantos. O tempo passa, estudiosos de vários pontos do mundo debruçam-se sobre a sua vida e obra. É elevado a herói nacional. O poeta ainda vivo, apesar do seu fado. Vivo pelo seu amor à Pátria, pela epopeia, pel’Os Lusíadas. Vivo pela sua angústia existencial, pela sua lírica: a mulher como anjo, porém a carne; a razão, porém o desejo; as ideias, porém o dia-a-dia; o espírito, porém o corpo. Luís Vaz dilacerado, violência, violência:
"Erros meus, má fortuna, amor ardenteEm minha perdição se conjuraram;Os erros e a fortuna sobejaram,Que para mim bastava amor somente.Tudo passei; mas tenho tão presenteA grande dor das cousas que passaram,Que as magoadas iras me ensinaramA não querer já nunca ser contente.Errei todo o discurso dos meus anos;Dei causa a que a fortuna castigasseAs minhas mais fundadas esperanças.De amor não vi se não breves enganos.Oh! quem tanto pudesse, que fartasseEste meu duro Génio de vinganças!"(1)
(1) "Rimas,1616 - (2) "Os Lusíadas", canto VII - (3) "Rhitmas, 1595 - (4) "Rimas", 1598 - (5) "Os Lusíadas", Canto IX - (6) "Os Lusíadas", canto IV - (7) "Rimas", 1668
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VICTOR HUGO - BIOGRAFIA

                                                               Victor Hugo

Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 - Paris, 22 de maio de 1885) foi um escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables, sua melhor peça e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras.
Filho de Joseph Hugo e de Sophie Trébuchet, nasceu em Besançon, no Doubs, mas passou a infância em Paris. Estadas em Nápoles e na Espanha acabaram por influenciar profundamente sua obra. Funda com os seus irmãos em 1819 uma revista, o Conservateur littéraire (Conservador literário), que já chama a atenção para o seu talento. No mesmo ano, ganha o concurso da Académie des Jeux Floraux.
O seu primeiro recolhimento de poemas, Odes, é publicado em 1822: tem então vinte e sete anos.
Com Cromwell, publicado em 1827, alcança o sucesso. No prefácio deste drama em versos, que não foi encenado enquanto esteve vivo, opõe-se às convenções clássicas, em especial à unidade de tempo e à unidade de lugar.
Tem, até uma idade avançada, diversas amantes, sendo a mais famosa Juliette Drouet, atriz sem talento que lhe dedica a sua vida, e a quem ele escreve numerosos poemas. Ambos passavam juntos o aniversário do seu encontro e preenchiam, nesta ocasião, ano após ano, um caderno comum que nomeavam o Livro do aniversário.
Alugava apartamentos nos arredores de Paris com nomes falsos, onde encontrava-se com suas amantes. Numa dessas ocasiões foi flagradocom Léonie Briard, cujo o marido havia chamado a polícia, a mulher foi presa, quanto a Victor Hugo nada ocorreu-lhe.
Criado por sua mãe no espírito da monarquia, acaba por se convencer, pouco a pouco, do interesse da democracia ("Cresci", escreve num poema onde se justifica). A sua ideia é que "onde o conhecimento está apenas num homem, a monarquia se impõe." "Onde está num grupo de homens, deve fazer lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então vem o tempo da democracia".
Tendo se tornado favorável a uma democracia liberal e humanitária, é eleito deputado da Segunda República em 1848, e apoia a candidatura do príncipe Louis-Napoléon.O enterro de Victor Hugo, em 1885.
Exila-se após o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, que condena vigorosamente por razões morais em "Histoire d'un crime".
Durante o Segundo Império, em oposição a Napoléon III, vive em exílio em Jersey, Guernsey e Bruxelas. É um dos únicos proscritos a recusar a anistia decidida algum tempo depois: « Et s'il n'en reste qu'un, je serai celui-là » ("e se sobra apenas um, serei eu").
Com a morte da sua filha, Leopoldina, começa a descobrir e investigar experiências espíritas relatadas numa obra diferente nomeada "Les tables tournantes de Jersey".
De acordo com seu último desejo, seu corpo é depositado em um caixão humilde que é enterrado no Panthéon.
Tendo ficado vários dias exposto sob o Arco do Triunfo, estima-se que 1 milhão de pessoas vieram lhe prestar uma última homenagem. Quando morreu as prostitutas de Paris ficaram de luto.

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