Nahum Gutman
Pintor, escultor, desenhista, ilustrador e autor de livros infantis, Gutman criou uma linguagem singular, um estilo artístico verdadeiramente israeli. Toda a sua criação foi marcada pela paixão que sentia por Israel.
O artista Nahum Gutman serve de referência para o entendimento dos primeiros anos da cidade de Tel Aviv, assim como para o estudo da iconografia da região na primeira metade do século 20. Em sua obra pode-se encontrar um sentido de inocência e de nostalgia pela vida nos primórdios doYishuv – a colonização em Israel nos dias anteriores à criação do Estado. Ele retrata com alegria os elementos religiosos, a vida urbana e a convivência dos diferentes povos que habitavam a região. Sua obra é uma expressão da riqueza cultural judaica em Israel, sem, no entanto, perder de vista os demais habitantes.
Sua vida
Nahum nasceu em 1898 no povoado de Telenesti, na Bessarábia, região então pertencente ao Império Russo. Era o menor dos quatro filhos de Rivka e Alter Gutman. Educador e editor de livros em hebraico junto com Chaim Bialik, seu pai se tornou conhecido como escritor na língua hebraica pelo pseudônimo de Simcha ben-Zion.
No ano de 1903 os Gutman mudam-se para Odessa e dois anos mais tarde deixam a Europa a bordo de um navio rumo aEretz Israel, na época parte do Império Otomano. O mar despertou tamanha paixão em Nahum, menino com menos de cinco anos, que serviria de inspiração para muitas de suas obras. O porto de Yaffo e a costa de Eretz Israel também seriam fonte inesgotável de inspiração. Em seu livro Between Sands and Blue Skies (1964), Gutman fala de sua experiência durante o trajeto. Sobre a parada do navio em Istambul, escreveu que sentiu abrir-se perante seus olhos um mundo novo. “A partir de então e ao longo dos anos, empenhei-me em expressar em minha arte meu amor pela singular e intrínseca beleza oriental, que me encantou com tanta paixão...”.
No livro ele descreve sua chegada no litoral de Eretz Israel: “Ao chegar, as grandes ondas da costa de Yaffo nos atingiram com sua espuma, chegando até o deque. O navio parou no caminho até o porto. Eu via barcos subindo e descendo no mar, aparecendo e desaparecendo entre as ondas, até que se aproximavam do casco e a escada era lançada ao mar... Alegre e despreocupado, joguei-me nos braços de um marinheiro (....) Ele me segurou e eu senti como se estivesse mergulhando pela primeira vez em um mundo mágico, mais fantástico do que qualquer outro que eu já tivesse eventualmente encontrado”.
A família Gutman se estabeleceu numa casa em Neve Tzedek, um dos subúrbios de Yaffo. Seu pai passou a lecionar em uma escola onde Nahum estudou até 1908, quando ingressou noGymnasia Herzliya. Fundado em 1905, como HaGymnasia HaIvrit (Escola Hebraica Secundária ), era a primeira escola judaica de ensino médio da região.
Quando foi criado Ahuzat Bayit, o núcleo da futura Tel Aviv, os Gutman foram uma das primeiras famílias a se mudar para lá. A adolescência do artista está intimamente interligada aos primeiros anos da cidade e as lembranças de sua infância já estão presentes nos quadros pintados entre 1910 e 1913.
Para Nahum, Tel Aviv era um lugar onde a convivência e a atmosfera amigável tornavam possível um desenvolvimento profícuo das artes. “Todo mundo se conhecia e a criação artística era uma expressão desse ambiente comum. Usufruíamos da agradável companhia de escritores, poetas e pintores que se encontravam no café Altschuler e depois no Rezki’s. Bialik estava lá, assim como Zemach, Shimoni, Uri Zvi Greenberg, Jacob Horovitz, Shlonski, Eliezer Steiman e outros. Éramos como uma família!”.
Em 1910, decidido a se tornar pintor, Nahum se inscreve no Ateliê de Arte da pintora e escritora Ira Jan (pseudônimo de Esphir Yoselevitch). Mas, três anos mais tarde, muda-se para Jerusalém para estudar na Academia de Arte Bezalel, fundada em 1903 por Boris Schatz. A ida para Bezalel é para o artista um momento de rompimento com o universo familiar, é o início da busca de sua própria essência como indivíduo e como artista.
Lá, em meio a professores representativos da pintura européia, Nahum, juntamente com outros alunos, passa a questionar a subserviência da Academia às temáticas e técnicas vinculadas às escolas artísticas da Europa. Os jovens artistas acreditavam que para retratar a Terra de Israel, seus habitantes, as cores e a luminosidade do deserto e da vegetação, do mar e do céu, tão diferentes das da Europa, eram necessárias novas técnicas. Ele relembra: “Queríamos retratar as cores locais, a luminosidade que integra os objetos e que também os despedaça com suas sombras. Nós nos sentíamos como heróis em busca de conquistar a natureza como esta realmente era e não como nos ensinavam”.
A eclosão da 1ª Guerra Mundial interrompeu, por algum tempo, sua jornada artística, pois ele se alista na Legião Judaica. Acreditava que para o Ishuvcrescer era necessário libertar Eretz Israel do domínio turco-otomano.
Em 1918, terminada a guerra, ele vai para a Europa estudar arte. Permanece dois anos em Viena, seguindo depois para Berlim, de onde parte, em 1924, em direção a Paris, então centro da vanguarda artística. O período que passou na Cidade da Luz, na companhia de outros artistas, deixou uma marca indelével em sua arte. Ele absorveu influências diversas e aprendeu técnicas novas. Do impressionismo, por exemplo, capta o efeito da luz na paisagem – algo que se mostrou de fundamental importância quando passa a retratar as paisagens de Israel.
Sobre suas viagens, dizia: “Minhas passagens por Berlim e Paris foram uma preparação. Na verdade, emergi como um artista singular somente após minha volta da Europa. Eu sabia que este era o primeiro capítulo do meu universo na pintura: o encontro renovado com o mesmo orientalismo que vi durante minha infância – o sentido da luz, as cores e os valores plásticos – nas ruas de Neve Shalom, Neve Tzedek, Yaffo e Jerusalém”.
Nesse período aprimorou-se em outros campos artísticos: escultura, litografia e relevo. São dessa época, também, suas primeiras ilustrações para as obras literárias de seu pai e para poemas de Bialik e Saul Tchernichovsky. Tido como um dos fundadores da ilustração em Israel, Gutman criou obras que são consideradas clássicos da literatura hebraica ilustrada.
De volta a Eretz Israel, em 1926, dois anos mais tarde se casa com Dora Yaffe. Já um artista reconhecido, Gutman participa de várias exposições. Na década de 1920, seus trabalhos foram dedicados a descrever os panoramas do país e cenas pastoris dos que trabalhavam a terra. A população árabe, retratada por Gutman de uma forma até certo ponto poética, era um tema muito presente em seus trabalhos. Esta visão foi por terra abaixo, no entanto, com a eclosão em 1921 da onda de violência árabe contra a população judaica. Sua resposta foi artística: publicou um livro de caricaturas satíricas sobre os acontecimentos. No entanto, não deixou de retratar cenas em que os protagonistas eram pacíficos pastores árabes. Era sua maneira de ver seus vizinhos.
Na década de 1930 a necessidade de transmitir seu mundo interno leva Gutman a buscar inspiração para suas telas e desenhos nas profundezas de sua memória – nas paisagens, estilo de vida e personagens de sua infância e adolescência, e nos marcos do surgimento de Tel Aviv em meio às dunas de areia.
Quando a cidade comemorou seu 25º aniversário, foi o próprio Gutman que, após ganhar o concurso promovido pelo município de Tel Aviv, criou o símbolo da cidade que tanto amava.
É também desse período a tela “Dora de Chapéu” (1933). Nesse retrato de sua esposa, Nahum revela sua capacidade de capturar as nuances da expressão humana. Nessa época, o pintor muda a paleta de cores de suas telas, os tons se tornam mais escuros e as nuances do azul e do amarelo, que caracterizaram seus primeiros e últimos trabalhos, são deixadas de lado por um tempo.
Gutman vai iniciar uma nova faceta de sua carreira quando, em 1931, passa a ilustrar o suplemento infantil do jornal Davar. O suplementoacaba transformando-se em uma revista infantil independente, chamada Davar Li’yeladim, da qual o artista foi ilustrador por mais de 30 anos. Suas ilustrações para crianças eram a confirmação de seu talento notável para o desenho, de sua capacidade de transmitir os temas e principalmente de sua profunda compreensão do novo espírito que moldava as crianças de Eretz Israel.
Durante a década de1940, no auge da 2a Guerra Mundial, Gutman produz inúmeros quadros, principalmente aquarelas, que retratam o litoral de Tel-Aviv. São trabalhos monocromáticos pintados em uma atmosfera sombria, invernal, expressando o estado pessoal e nacional da época.
A maturidade permitiu ao artista resgatar e recriar suas lembranças de uma nova maneira. Suas pinturas dessa fase são composições harmônicas onde se funde a diversidade de formas e cores.
As paisagens de Israel e vários temas nascidos na sua alma e no seu olhar servirão de matéria-prima de toda a sua obra. Ao longo das décadas de 1940 e 1950, a figura humana se torna mais estilizada e Gutman a integra à paisagem, criando uma harmonia e uma leveza singulares. Inspirado na série de livros ligados à construção de Tel Aviv, escreve o livro Ir Ketaná va-Anashim ba Me’at (Uma cidade pequena e poucos homens dentro dela), no qual dedica inúmeras ilustrações aos construtores de Tel Aviv.
Da década de 1950 até a de 1970, os motivos portuário e marinho se tornam novamente elementos preponderantes em sua obra. As pinturas em óleo sobre tela retratam os portos de Haifa e Jaffa – simbolizando os portões da nação que calorosamente dão as boas vindas e recebem os que vêem de longe.
Sua arte
Sobre sua arte Gutman costumava dizer: “Quando tenho um sentimento de plenitude ou de raison d’être, manifesto-o através dos meus escritos ou de minhas pinturas”. Artista eclético, ele teve importância fundamental para a cultura de Israel, pois ajudou a criar um estilo artístico nitidamente israelense.
Ao longo de sua carreira, Gutman não se limitou a uma única forma de expressão artística ou a uma única técnica. Seu talento e criatividade o fizeram buscar novas formas de expressão. No entanto, ele tinha uma característica que marcou toda a sua criação: a paixão pelo mundo que se estendia diante de seus olhos e principalmente por Israel. Ele dizia que, ao chegar à Terra de Israel, “descobriu as maravilhas de um mundo novo; um mundo sobre o qual jamais lera ou ouvira falar antes, um mundo que o cativara e conquistara seu coração para sempre”.
Um dos precursores do Modernismo no país, são marcantes em sua pintura as influências do Impressionismo de Cézanne, com quem Gutman aprendeu a usar a cor como um elemento para separar planos e profundidade; do Fauvismo, principalmente em Matisse, com quem aprendeu a usar as cores fortes, combinando-as com uma liberdade poética nas linhas, representando de maneira forte, expressiva e por vezes infantil os objetos das pinturas. Isto se tornaria uma marca do trabalho de Gutman. Assim como os fauves, o artista usava tons puros de tinta sem realizar misturas e gradações de cores. Suas pinturas a óleo são grandes blocos de cor pura, mas suas aquarelas são transparentes, evocando uma transparência semelhante à inocência que ele quis transmitir.
Segundo seu filho, Hemi Gutman, professor de biofísica na Universidade de Tel Aviv, seu pai não tinha apenas um estilo de pintura. Passava do figurativo para o abstracionismo em sua constante tentativa de captar os aspectos da realidade que o cercava. Na opinião de Hemi, quando, em 1950, a pintura israelense parecia estar vivenciando um dilema – seguir tendências internacionais, descaracterizando-se como arte nacional, ou manter-se fiel aos seus próprios padrões, “seu pai não teve a menor dúvida e conservou um estilo próprio e essencialmente israelense de arte.
Como escritor, Gutman procurava estimular a imaginação dos leitores. Em seus livros infantis, misturava histórias do povo judeu com histórias dos antigos povos do Oriente Médio. Foi um dos primeiros escritores a adotar o hebraico com língua de criação artística – nesse aspecto, sua produção é de vital importância para entender o estabelecimento de uma cultura judaica que utilizava o hebraico como idioma. Recebeu inúmeras láureas, entre as quais, o Prêmio Israel, em 1978, ano de sua morte, por sua contribuição à literatura infantil de Israel.
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