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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

BADEN POWELL DE AQUINO - BIOGRAFIA


Por Philippe Baden Powell

PARA QUEM NÃO SABE...
Baden Powell é considerado um dos maiores violonistas de todos os tempos e um dos compositores mais expressivos da nossa música. Criador de um estilo próprio, foi o violonista mais influente de sua geração, tornando-se uma referência entre os violões havidos e a haver. Sua música rompe as barreiras que separam a música erudita da música popular, trazendo consigo as raízes afro-brasileiras e o regional brasileiro.

ORIGENS
Baden nasceu no dia 06 de Agosto de 1937 em uma cidadezinha no norte do estado Fluminense chamada "Varre-e-Sai". Ele nunca soube me dizer porquê a cidade tem esse nome, mas sempre falou dela com muito amor. Dizia que seu pai o havia ensinado a ter saudades de "Varre-e-Sai". Meu avô se chamava Lilo de Aquino, mas tinha o apelido de "Tic", era sapateiro de profissão e chef de escoteiro. Meu pai ganhou o nome de Baden Powell em homenagem ao fundador do escotismo: o General britânico Robert Thompsom S. S. Baden Powell.

A música faz parte da história da nossa família há algumas gerações, meu bisavô, Vicente Thomaz de Aquino, foi um fazendeiro negro que fundou talvez uma das primeiras e únicas bandas de escravos que tocavam e cantavam suas raízes. Sempre ouví muitas histórias de meus ascendentes mas infelizmente não conheci meus avós. A família decidiu se mudar para o Rio de Janeiro e com apenas três meses Baden tornou-se carioca do bairro de São Cristóvão. Cresceu ouvindo música; contava as histórias de seu pai, violinista amador, que fazia reuniões musicais em casa com os amigos Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Jaime Florence (o "Meira"), entre outros bambas da música dessa época. Contava também que costumava acompanhar os saraus batucando no armário do quarto.

Com oito anos Baden se apaixonou por um violão que sua tia ganhara numa rifa. Ela não tocava nada e por isso o deixou pendurado na parede da sala. Baden ficava "namorando" o instrumento, mas era muito tímido pra pedir emprestado. Um dia não resistiu e pegou escondido o violão, enrolou-o em uma toalha e guardou debaixo da cama. Ficava descobrindo o som do instrumento e se encantando cada vez mais por ele, dizendo para si mesmo: "Eu vou tocar você!". Até que a mãe dele, limpando o quarto, achou o instrumento escondido e reagiu muito mal, exigindo que Baden o devolvesse a sua tia, coisa que ele se recusou. Quando "Seu Tic" chegou do trabalho, soube da história e entendeu que havia algum interesse se manifestando, ele decidiu iniciar o Baden nas primeiras posições de acordes do instrumento. Em poucas aulas Baden já havia esgotado o pouco conhecimento violonístico do pai e foi encaminhado aos cuidados do Meira, grande mestre violonista que foi também professor de Rafael Rabello e Maurício Carrilho.

TRIBUTO AO PROFESSOR MEIRA
Baden aprendeu muito rápido, estudou violão clássico pela Escola de Tárrega e participava ainda iniciante das rodas de choro organizadas pelo professor: "O Meira colocava a gente sentado em volta da mesa e eu tinha que tocar tudo de ouvido, sem direito a erro, senão o pessoal brigava!", relembrava Baden.

A prática e convivência com os melhores músicos da época lhe valeram boa parte da sua sabedoria musical. Baden era um prodígio gênial e seu talento se desenvolveu muito rápido. No ano em que completou nove anos participou do programa de calouros "Papel Carbono", apresentado por Renato Murce na Rádio Nacional, e conquistou o primeiro lugar como calouro/solista de violão, interpretando o choro "Magoado" de Dilermando Reis. Concluiu o curso de violão em quatro anos, aos treze tinha no repertório uma transcrição própria do Muoto Perpetuo de Paganini. Um dia seus pais foram chamados por Meira, que lhes disse não ter mais nada a ensinar ao jovem virtuose. A partir daí, começou a atuar profissionalmente recebendo seus primeiros cachês em bailes e festas no suburbio e na boemia Lapa. O primeiro conjunto que formou foi um trio composto por Milton Banana na bateria e Ed Lincoln ao contrabaixo.

UM VIOLÃO NA MADRUGADA
Terminado o ginásio no Instituto Cyleno, em São Januário, Baden começou a trabalhar como músico de orquestra na Rádio Nacional, e fez excursões pelo Brasil organizadas por Renato Murce onde os convidados principais eram artistas de cinema da época como Adelaide Chiozzo, Carlos Mattos, Eliana e Cyl Farney. Durante a década de 1950 integrou o Trio do pianista Ed Lincoln, atuando na Boite Plaza em Copacabana: ponto de encontro dos amantes da boa música, entre os quais figurava um certo jovem Antonio Carlos Jobim, admirador do violonista e também atuante na noite carioca. Sua fama de exelente músico se espalhou rápido e em pouco tempo ele já era um dos músicos mais requisitados entre cantoras, como Alaíde Costa e Elizeth Cardoso, e estúdios de gravação. Nessa mesma época Baden começou a compor com seus primeiros parceiros: Nilo Queiroz, Aloysio de Oliveira, Geraldo Vandré e Ruy Guerra. Nessa primeira leva nasceram "Deve ser amor", "Não é bem assim", "Rosa flor", "Conversa de poeta", "Vou por aí", "Canção à minha amada", mas seu primeiro grande sucesso veio em 1956: "Samba Triste" em parceria com Billy Blanco. No final da década de 50 ele gravou seu primeiro disco, "Apresentando Baden Powell e seu Violão", lançado pela gravadora Philips, que hoje é Universal.


UM VIOLÃO AFRO - BRASILEIRO
No início da década de 60, Baden tocava na boate Arpège, em Copacabana, e recebeu a visita do poetinha Vinicius de Moraes, que foi assistí-lo. A parceria Tom & Vinicius já fazia barulho e Baden ficou muito entusiasmado com o convite do poeta para que fizessem umas "musiquinhas" juntos. "O Vinicius chegou me mostrando uma letra que ele disse ter feito pra toccata 147 de Bach, Jesus Alegria dos Homens, e cantarolou: - Entre as prendas com que a natureza… Aí eu pensei que ele era maluco, hahaha!". Marcaram uns três "bolos" (encontros aos quais, um dos dois sempre faltava) e depois se trancaram no apartamento do Vinicius durante quase três meses; violão, máquina de escrever e o melhor amigo do homem, segundo Vinicius, o cão engarrafado: Whiskie. O Vinicius, que ainda era diplomata, pediu uma licensa ao Itamarathy e ligou para os pais do Baden avisando que ele ia ficar em sua casa uns dias. Imagina, o Baden mal havia entrado na casa dos vinte e tomava guaraná! Durante esse período nacseram diversas composições, a primeira paerceria chama-se "Canção de ninar meu bem" e da mesma safra outras viraram clássicos da Bossa Nova e da MPB, como "Samba em Prelúdio", "Só por amor", "Bom dia amigo" e "O Astronauta". Entre essas parcerias se destaca uma suíte cuja a linha temática é a história dos Orixás (santos na religião do Candomblé), batizada de "Os Afros-Sambas", que talvez seja a obra mais característica da dupla. Em um depoimento Vinicius disse: "[…] o disco os 'Afros-Sambas' de Baden e Vinicius' realizou um novo sincretismo, deu uma dimensão mais universal ao candomblé afro-brasileiro".

E assim o movimento "Bossa Nova" ganhou uma nova vertente. O sucesso da dupla foi muito grande, Baden e Vinicius eram figurinhas fáceis no programa "O Fino da Bossa" apresentado por Elis Regina, que fez com que muitas dessas parcerias se tornassem sucessos. Conta a lenda que a letra do "Canto de Ossanha" foi escrita para Elis minutos antes de um programa ir ao ar, e ela cantou lendo o manuscrito do poeta como se já soubesse a música. A divina Elizeth Cardoso, amiga de Vinicius, também foi uma voz que imortalizou várias canções e sambas de Baden. Também Ciro Monteiro dedicou um disco à parceria chamado de "Baden e Vinicius".

Paulo César Pinheiro também foi um parceiro musical da maior relevância na obra de Baden. Juntos compuseram uma obra influenciada pelo samba e pelo choro, com letras inspiradas na liguagem popular e erudita. Paulo César Pinheiro é um letrista cuja poesia traduz fielmente as melodias de Baden. A obra desta parceria é uma evolução harmônica, melódica e poética do samba. O primeiro samba composto pela dupla foi "Lapinha", vencedor da I Bienal do Samba no ano de 1968, defendido por Elis Regina, que também imortalizou "Cai dentro", "Aviso aos navegantes", "Samba do perdão" e "Vou deitar e rolar".



UM VIOLÃO NO MUNDO
Ainda durante a década de 60, Baden faz sua primeira visita à terra onde mais tarde se consagraria: a França. Na verdade, por motivos de força maior, Baden deixou de ir para os Estados Unidos, seu pai havia ficado muito doente e ele resolveu ficar no Brasil. Pouco tempo depois o “seu Tic” faleceu, deixando a lembrança de um Velho amigo, à quem Baden dedicou uma canção homônima, com letra do Vinicius. 

Convencido por um amigo, não duvido muito que tenha sido o próprio Vinicius, de que a Europa tinha muito mais a oferecer do que os EUA, o Baden trocou sua passagem Rio-NY por uma Rio-Paris e embarcou para a cidade luz. Ele permaneceu na França por vinte anos e depois mais 5 na Alemanha, acho que ele realmente gostou de lá. O fato é que Baden se apaixonou por Paris e pelo povo francês, que o acolheu tão calorosamente. Chegando em Paris foi logo encaminhado ao Quartier Latin, bairro boêmio, onde se concentrava toda a juventude parisiense - reduto dos artistas e da efervecência cultural. Baden começou a tocar em pequenos restaurantes e bares e logo chamava atenção pela sua singularidade sonora. Ele sempre me disse para estar preparado musicalmente para qualquer situação, e me contava que entre duas músicas interpretava uma de suas releituras dos clássicos brasileiros como Manhã de Carnaval, captando a atenção de quem estava assistindo.

Ao final de três meses, prazo de isenção de visto concedido pela França a todo visitante, o compositor, ator e cineasta francês Pierre Barouh, que escreveu uma linda versão do "Samba da Benção" - "Samba Saravah" -, conseguiu que o Baden fizesse uma apresentação na primeira parte do show do cantor Jacques Brel. Foi a grande oportunidade de Baden: uma apresentação para um público entendido e apreciador de música. Bem como ele me aconselhou, estava mais do que pronto, e no final de seu concerto foi chamado mais 8 vezes de volta ao palco! Estavam na platéia agentes e empresários, diretores de gravadoras e jornalistas, todos impressionados e surpresos por uma música original e cheia de energia, que misturava samba com batuque, música clássica com improvisação, e lindas melodias dos já sucessos da Bossa Nova. Aquele foi o início de sua carreira internacional, a partir dali foram uma sucessão de propostas que resultaram em vários discos, tournées pelo mundo e parcerias inesquecíveis com diversos artistas com Stéphane Grappelli, Michel Legrand, Liza Minelli e Claude Nougaro, entre outros.

VIOLÃO ETERNO
Baden Powell trilhou um caminho de sucesso, respeitado e reverenciado por sua musicalidade e genialidade como instrumentista. Ganhou reconhecimento mundial, deixando seus acordes gravados no coração de vários fãs pelo mundo. Gravou mais de 70 discos e recebeu diversos prêmios pelo conjunto de sua obra, deixando um imenso legado a todos os músicos e amantes da música. Sua influência é marcante e está presente nas novas gerações de músicos, contribuindo para a evolução da música brasileira.


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sábado, 14 de abril de 2012

BEETHOVEN - BIOGRAFIA


                                                       b e e t h o v e n (1770-1827)
 Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn (Alemanha), em 16 de dezembro de 1770, descendente de uma família de remota origem holandesa, cujo sobrenome significava ‘horta de beterrabas’ e no qual a partícula van, não indicava nenhuma nobreza. Seu avô, também chamado Luís, foi maestro de capela do príncipe eleitor de Bonn. O pai de Beethoven, Johann, foi tenor nessa mesma capela. Pretendeu amestrá-lo como menino prodígio no piano, mas era um homem fraco, inculto e rude, que terminou consumido pelo alcoolismo. Beethoven teve infância infeliz.

Aos oito anos de idade apresentou um concerto para cravo. Em uma carta pública de 1780, Christian Gottlob Neefe afirmava que o seu discípulo, Beethoven, de dez anos, dominava todo o repertório de J.S.Bach e o apresentava como um segundo Mozart. Beethoven fez os primeiros estudos em Bonn sob a orientação de Neefe (1781), tornando-se organista-assistente da capela eleitoral (1784).
Iniciou sua carreira de compositor com alguns lieder, três sonatas para piano e uns quartetos para piano e cordas. Sua fama começou a transcender e o príncipe eleitor o enviou para Viena. Maximiliano, arquiduque da Áustria, subsidiou seus estudos.
Foi uma viagem pouco proveitosa, pois Beethoven teve de voltar em pouco tempo para assistir a morte da mãe. Mesmo assim, chegou a conhecer Mozart já doente, absorto pela composição de Don Giovanni. Em Bonn, Beethoven atravessou um período de grandes dificuldades financeiras.
Pouco tempo depois, Haydn leu algumas de suas obras e convidou a voltar para Viena para seguir ‘estudos vigiados’ com ele. Também tomou lições com Albrechtsberg e Salieri. Exibia-se como pianista virtuose nos salões aristocráticos. Apesar das suas maneiras rudes e do seu republicanismo ostensivo, sempre esteve Beethoven generosamente protegido pela alta sociedade vienense (o arquiduque Rodolfo, as famílias Brunswick e Lichnowsky, o conde Rasumovsky etc.). Melhorou de posição social e formação musical pela ajuda de mecenas, que em 1792 lhe possibilitaram a mudança definitiva para Viena.
Em 1795 Beethoven publicou o sua primeira obra, integrada pelos Trios para piano Op. 1 (3). Obras que, como as Sonatas para piano Op. 2, mostravam a personalidade (embora não ainda o gênio) de seu criador. Esse gênio começou a se revelar só anos depois, em seu Op. 7 e Op. 10.
Os últimos anos do século XVIII parece ter sido a época mais feliz da desditosa vida de Beethoven: o sucesso profissional, a proteção e lisonja dos poderosos, as amizades profundas, talvez o amor. Embora várias figuras femininas tenham cruzado a sua vida, provavelmente a única realmente importante tenha sido a ‘jovem amada’, Giulietta Guicciardi, cujos 17 anos e encanto fútil conquistaram Viena, e a quem o compositor dedicou a sua Sonata ao luar.
Também foi nessa época (1801) que se instalou em Beethoven uma crescente surdez, que em pouco tempo se tornaria irreversível. Desesperado, Beethoven redigiu em Heiligenstadt, então subúrbio de Viena, seu testamento, decidido a suicidar-se. A crise foi, porém, superada e, sendo parcial sua surdez, o compositor ainda pôde continuar a sua carreira. Como ele mesmo descreveu, ‘foi a arte, e só a arte, que me salvou’. Beethoven utilizava uma corneta para atenuar sua surdez, antes de ter de usar os cadernos de anotações.
Foi o tempo de suaúnica ópera, Fidélio, exaltação do amor conjugal, das grandes Sonatas para piano - Patéticae Apaixonado, dos monumentais concertos, dos quartetos para cordas do período médio; o tempo, principalmente, das obras que lhe deram maior popularidade, suas revolucionárias sinfonias e, em especial, a Sinfonia n.º 5. Os membros da aristocracia austríaca, lhe concederam em 1809, uma pensão vitalícia. Sua carreira pública chegou ao ponto culminante em 1814, por ocasião do Congresso de Viena.
Depois desses sucessos, a surdez começou a piorar, isolando o mestre quase totalmente do mundo. A carência afetiva o levou a se trancar cada vez mais dentro de si mesmo. Seus últimos anos também se viram amargurados pela saúde precária, dificuldades financeiras e, principalmente, pelos problemas com seu sobrinho Karl, os quais, indiretamente, foram a causa da sua morte: após uma discussão, Beethoven saiu de casa no meio de uma tempestade, contraindo uma pneumonia que pôs fim a seus dias em 26 de março de 1827. O cortejo fúnebre contou com uma impressionante multidão de 20.000 pessoas, coisa inusitada em uma Viena que produzia gênios e depois, como Mozart, dava-lhe as costas.
Beethoven impressionou os contemporâneos, além de sua arte, pelas manifestações rudes de sua independência pessoal. Em torno de sua forte personalidade formaram-se lendas, destinadas a salientar os sofrimentos e a grandeza do homem titânico, chegando a falsear a perspectiva biográfica. A famosa carta (sem data e sem endereço) à ‘amada imortal’ não tem maior importância para a interpretação da obra, porque na arte de Beethoven não é sensível o elemento erótico. Errada também é a opinião de ter o mestre sofrido pela incompreensão dos contemporâneos: teve, em vida, os maiores sucessos e foi admirado como nenhum outro compositor.
Também teve notável êxito material e, chegou a ditar preços aos seus editores. Mas, sobretudo, foram mal compreendidos os efeitos de sua doença. Até 1814, a surdez não foi total, permitindo a elaboração de numerosas obras-primas musicais; depois dessa data, foi a própria surdez que abriu ao compositor as portas de uma nova arte, toda abstrata. A grandeza de Beethoven não foi, prejudicada pela surdez, e sua vida não se resume numa luta heróica contra a doença.
As obras de Beethoven são intensamente romântica pela extremo subjetivismo, no qual tem lugar a tragicidade patética e o júbilo triunfal, o idílio e o humorismo burlesco, o idealismo eloqüente e a música profunda. Mas a forma dessas manifestações é a do Classicismo vienense de Haydn e Mozart; são cuidadosamente elaboradas e severamente disciplinadas. Essa obra romântica é, paradoxalmente, a mais clássica que existe.
Beethoven viu-se admirado até a idolatria pelos seus contemporâneos. Sua influência sobre toda a música do século XIX foi avassaladora. Também as obras difíceis, as últimas sonatas e os últimos quartetos foram, enfim, compreendidos, e a imensa popularidade de Beethoven chegou a estender-se à Sinfonia n.º 9. Mas no fim do século começaram a surgir as primeiras vozes cépticas. Achou-se que Beethoven tinha escrito sinfonias, sonatas e quartetos os mais perfeitos, de modo que sua arte significava um fim, embora glorioso. Debussy ousou manifestar aversão à eloqüência do mestre. Na época moderna já não existem compositores beethovenianos. Sua influência parece terminada. Stravinsky encontrou palavras duras contra o subjetivismo e o emocionalismo do mestre, o que não o impediu de declarar a fuga para o Quarteto de cordas Op. 133 (1825), como a maior manifestação da música ocidental. Diferente de muitos outros compositores, Beethoven não foi menino prodígio. Teve evolução lenta. À sua primeira obra escrita e publicada em Viena deu o nome de Trios Op. 1, fazendo entender, com razão, apenas interesse biográfico e histórico. Também é necessário descontar algumas obras escritas por encomenda e elaboradas sem inspiração, como a Sinfonia de batalha, que foi composta em 1813 e apresentada em Viena em 1816 com sucesso retumbante mas efêmero.
Resta a grandiosa evolução, dos Trios Op. 1 até o último Quarteto Op. 135 (1826), evolução que não tem igual na história da música. O musicólogo russo Wilhelm von Lenz, considerando 1802 e 1814 como datas decisivas na vida do mestre, formulou a tese de três fases da criação de Beethoven: mocidade, maturidade, últimas obras. Embora cronologicamente inexata (algumas obras não se enquadram bem no esquema) a tese de Lenz é até hoje geralmente aceita.
Primeira fase - A primeira fase, de 1792 até 1802, caracteriza-se pelo frescor juvenil, pelo brilho virtuosístico, pelo estilo galante do séc. XVIII, embora interrompida por tempestades pscológicas bem pré-românticas e acessos de melancolia. Galante, naquele sentido, é o famoso Septeto Op. 20 (1799-1800); despreocupadamente alegre é a sua Sonata para piano e violino em fá maior Op. 24 - Primavera (1801); bem mozartiano ainda é o Concerto para piano n.º 3 em dó menor (1800).
A melancolia manifesta-se na Sonata para piano n.º 3 em ré maior Op. 10 (1796-1798), nos Quartetos Op. 18 (6) (1798-1800) e na Sonata para piano e violino n.º 2 em dó menor Op. 30 (1802), mas sobretudo na célebre Sonata para piano n.º 2 em dó sustenido menor Op. 27, à qual a posteridade tem dado o apelido de Sonata ao luar. Obra capital do pré-romantismo beethoveniano é a Sonata para piano em dó menor Op. 13, à qual o próprio mestre deu o nome de Patética (1798). A evolução do mestre evidencia-se na diferença sensível entre a Sinfonia n.º 1 (1799) e a Sinfonia n.º 2 (1802).
Duas obras das mais conhecidas de Beethoven não se enquadram bem no esquema de Lenz. Em 1803, já em plena segunda fase, a famosa Sonata para piano e violino em lá maior Op. 47 - Kreutzer é o exemplo mais brilhante da primeira fase. Por outro lado, já em 1802, a Sonata para piano n. 2 em ré menor Op. 31 manifesta toda a tragicidade do gênio beethoveniano.
Segunda fase - A segunda fase, a da plena maturidade, abre em 1803 com a colossal Sinfonia n.º 3 em mi bemol maior - Eroica. Do mesmo estilo trágico são, em 1804, a sombria Sonata para piano em fá maior Op. 57 - Apaixonado, e o segundo ato da única ópera de Beethoven, Leonora (mais tarde rebatizada Fidélio). Mas ao mesmo tempo, em 1804, escreveu o mestre a triunfal Sonata para piano em dó maior Op. 53 - Aurora (ou Waldstein) e, depois de duas aberturas menos bem logradas para a ópera, a Leonora n.º 3 (1806), que conquistou a sala dos concertos, talvez a mais gloriosa de todas as aberturas. Do ano de 1806 também são o intensamente lírico Concerto para piano n.º 4 em sol maior Op. 58, o majestoso Concerto para violino em ré maior Op. 61, e os Quartetos Op. 59, em fá maior, mi menor e dó maior, dedicados ao conde Rasumovsky, os quartetos mais brilhantes que existem.
Depois as obras-primas seguem-se sem interrupção: a trágica Sinfonia n.º 5 em dó menor (1805-1807), a mais famosa de todas, e a não menos trágica abertura Coriolano (1807), a idílica Sinfonia n.º 6 em fá maior - Pastoral (1807-1808), a sombria Sonata para piano e violoncelo em lá maior Op. 69 (1808) e o Trio para piano em ré maior Op. 70 (1808), de profunda melancolia; em 1809, a Sonata para piano em mi bemol maior Op. 81 - Os adeuses. Em 1810, a música de cena (incluindo grandiosa abertura) para a peça de Egmont, de Goethe; em 1812, a Sinfonia n.º 7 em lá maior, a mais intensamente poética de todas, a humorística Sinfonia n.º 8 em fá maior (1812) e o justamente famoso Trio para piano em si bemol maior Op. 97 - Arquiduque; enfim, em 1812, a última Sonata para piano e violino em sol maior Op. 96, despedida poética da segunda fase.
Terceira fase - Depois das festas de 1814, Beethoven, agora completamente surdo, retira-se para a solidão, elaborando uma música totalmente diferente, abstrata, interiorizada. O pórtico da terceira fase é a gigantesca Sonata para piano em si bemol maior Op. 106 - Sonata para piano (1818). Seguem, 1820-1822, as três últimas sonatas para piano, em mi maior Op. 109, em lá bemol maior Op. 110 e em dó menor Op. 111. A última, Op. 111, seria - dir-se-ia - o sacrossanto testamento pianístico de Beethoven, se não tivesse escrito, em 1823, as 33 Variações sobre uma valsa de Diabelli Op. 120. Sobre um tema banal, a maior obra de variações da literatura musical.
Do mesmo ano de 1823 são a Sinfonia n.º 9, que o coral do último movimento, que assustou os contemporâneos e é hoje a obra mais popular do mestre, e a gloriosa Missa solene, obra de religiosidade livre de um grande individualista. Em 1824 inicia Beethoven o ciclo dos últimos quartetos: em mi bemol maior Op. 127, em lá menor Op. 132 (1825), em si bemol maior Op. 130 (1825), do qual foi separada a Fuga final Op. 133. Enfim, em 1826, o Quarteto em dó sustenido menor Op. 131, mais uma dessas obras gigantescas para o pequeno elenco de quatro instrumentos de cordas, e o comovente último Quarteto em fá maior Op. 135 (1826). São obras de inigualável profundeza artística e grandes documentos humanos.
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EUGÈNE DELACROIX - BIOGRAFIA


                   


                         EUGÈNE DELACROIX - Charenton, 1789 - Paris, 1863

Pintor francês. Filho de boa família, segue estudos artísticos e desfruta de bons mestres. Em 1825 viaja para Londres, onde a sua obra é muito bem recebida. Em 1832 viaja por Espanha e pelo Norte de África, difundindo na Europa a moda da temática moura. Homem bem considerado na sociedade francesa do seu tempo, recebe importantes encomendas, foi amigo íntimo de Chopin, ingressa no Instituto de França... Também a sua obra litográfica é notável (ilustrou Hamlet e Fausto). Após a restauração dos Bourbons surgem os concursos pictóricos anuais de Paris (os Salões). No de 1824, Delacroix apresenta Les massacres de Scio. O vivo contraste desta obra, que apresenta um vigoroso desenvolvimento das características da pintura romântica, com a ditadura neoclássica, desencadeia uma apaixonada oposição do seu principal representante, Ingres. Mas lentamente impõe-se o novo gosto, e o mundo antigo passa para segundo plano, substituído pela Idade Média e o Próximo Oriente. Delacroix representa o cume da pintura romântica. É um apaixonado da vitalidade, da exuberância e do esbanjamento de cores, como Rubens ou Rembrandt. De facto, na obra de Delacroix a cor é mais importante que o desenho.

                              
                      O quadro representa a travessia do rio Aqueronte, por Dante e virgílio


Os temas escolhidos por Eugène Delacroix reflectem directamente a sensibilidade romântica. Les massacres de Scio é um canto ao heroísmo do povo grego na sua luta pela independência. La mort de Sardanapale é uma rica cena oriental. O mundo árabe está presente em muitas outras obras suas, entre as quais sobressai Femmes d’Arger dans leur appartement. Entrée des croisés à Constantinople é de inspiração medieval. Mas o seu quadro mais famoso é La Liberté guidant le peuple, também conhecido por Le 28 Juillet, alegoria da revolução de 1830.

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LUIZ VAZ DE CAMÕES - BIOGRAFIA

1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. - 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. - 1551: Regressa a Lisboa. - 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. - 1553: É libertado; embarca para o Oriente. - 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. - 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja. - 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. - 1567: Segue para Moçambique. - 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. - 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. - 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.

1552. Corpus Christi. No Largo do Rossio dois mascarados lutam com Gaspar Borges, funcionário da Cavalariça Real. Camões aproxima-se, reconhece os mascarados, são amigos seus. Não hesita, mete a mão no bolso e parte para a rixa. Faca em punho, movimento nervoso, cutilada no pescoço do adversário. A noite acaba em sangue. Camões é preso e levado para a cadeia do Tronco.
A mãe, Dona Ana de Macedo, chora a prisão do filho. Vive em súplica de perdão para Luís: visita ministros reais e o próprio Borges. Passados nove meses a vítima, já restabelecida do ferimento, resolve atender ao pedido.
É dia de alguma liberdade para Camões. O poeta deixa as masmorras sob duas condições: primeiro tem de pagar multa de 4 mil réis ao esmoler d’El-Rei; depois, embarcar para a Índia e servir por três anos na milícia do Oriente.
Em Março de 1553 o poeta parte para Goa na São Bento, nau incorporada à frota comandada pelo capitão Fernão Álvares Cabral. É soldado raso. Chega à capital da Índia portuguesa seis meses depois. Pena e papel sempre à mão, o poeta escreve sobre o que vê:
"(...) Cá, onde o mal se afina e o bem se dana,E pode mais que a honra a tirania;Cá, onde a errada e cega monarquiaCuida que um nome vão a Deus engana;(...) Cá neste escuro caos de confusão,Cumprindo o curso estou da natureza.Vê se me esquecerei de ti, Sião!" (1)
Camões participa numa expedição punitiva contra o Rei de Chemba, na Costa do Malabar, enviada pelo Vice-Rei D. Afonso de Noronha. Vitória. O poeta regressa a Goa. Em Fevereiro de 1554 parte novamente sob o comando de D. Fernando de Meneses. Desta vez em perseguição a navios mouros que comercializavam entre a índia e o Egipto, prejudicando o monopólio mercantil dos portugueses. A frota só volta à Índia em Novembro do mesmo ano.
Chegam as férias militares, fim do soldo. Para ganhar alguns trocados, Camões escreve versos e autos por encomenda de um poderoso senhor que os apresenta como seus à pretendida. Em troca, restos de comida. O poeta também se torna escriba público. São muitos os soldados analfabetos. Camões escreve cartas para os seus familiares no Reino. Assim vive em Goa até 1556: "Junto de um seco, duro, estéril monte"(2). "Numa mão sempre a pena e noutra a espada".(3)
Fim do estágio obrigatório na milícia do Oriente. Camões é nomeado provedor-mor em Macau, entreposto comercial de portugueses na China. É encarregado de arrolar e administrar provisoriamente os bens de pessoas falecidas ou desaparecidas. Lá, descobre uma estreita gruta, refúgio. Passa horas a escrever, Os Lusíadas: a viagem épica de Vasco da Gama e, no extremo sul da África, o gigante Adamastor a tentar impedir o avanço dos nautas portugueses:
«Eu sou aquele oculto e grande CaboA quem vós chamais de Tormentório.»
Heróis trágico-marítimos; deuses mitológicos, paixões, intrigas, batalhas, aventuras e cobiças. Histórias de um minúsculo Portugal em expansão, «mais do que prometia a força humana»...
No regresso, o susto, o naufrágio. Está na Costa de Camboja, próximo do Rio Mecom. Camões salta do barco. Os Lusíadas colados ao corpo. Braçadas. Mais braçadas. Turbilhão de água, escassez de ar. Camões nada, incansavelmente. Terra firme. Ainda não perdeu os sentidos. Sabe que está vivo. Olhar de soslaio, o manuscrito está salvo. Já pode desmaiar. O corpo a transpirar, ardência, febre. A infância, paixões e conflitos, lampejos. Mazelas.
Fidalgo pobre, de família arruinada, tem uma infância cheia de privações. O pai, Simão Vaz de Camões, deixa filho e esposa, em busca de riquezas nas Índias. Morre em Goa. A família desamparada. O menino Luís Vaz assiste ao novo casamento da mãe. Um estranho ocupa o lugar do falecido.
É educado em Lisboa por dominicanos e jesuítas. Vive um período em Coimbra, onde faz o curso de Artes no Convento de Santa Cruz. O tio, D. Bento de Camões, é prior do Mosteiro e chanceler da Universidade. Camões frequenta os centros aristocráticos, onde tem acesso às obras de Petrarca - a quem toma por modelo -, Bembo, Garcilaso, Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro, entre outros. Domina a literatura Clássica da Grécia e Roma; lê latim, sabe italiano e escreve o castelhano.
Conta-se que o poeta é levado a frequentar o Paço por D. António de Noronha, cuja morte é citada num soneto. Ali conhece Dona Caterina de Ataíde, Dama da Rainha, por quem se apaixona perdidamente. O objecto de paixão é imortalizado na sua lírica sob o anagrama de Natércia. Há quem diga ainda que o autor d’Os Lusíadas se enamora da própria Infanta D. Maria, irmã de D. João III, Rei de Portugal.
Talvez boatos, como tantos outros acerca de sua vida. O que se sabe ao certo é que os seus amigos são vadios que se amotinam pelas ruas da cidade; as suas mulheres, meretrizes. O Malcozinhado, bordel de má fama lisboeta, é o lugar preferido para refastelar-se. Gosta de fitar o sexo oposto. Assedia, fala, canta. É jocoso. Convida a dançar, cheiro a cravo. Saiotes a girar, contentamento. Inspiração:
"Amor é fogo que arde sem se ver;É ferida que dói e não se sente ;É um contentamento descontenteÉ dor que desatina sem doer..."(4))
Mas a vida do poeta não é feita só de encontros fortuitos. Alterna pequenos momentos de regozijo com indagações profundas sobre si mesmo. Nos seus pensamentos, os apetites carnais entram em colisão com a visão platónica que tem da mulher e dos sentimentos amorosos. Transfere a contradição para a lírica. Compõe o amor no seu mais alto anseio espiritual, afectivo. O amor transcendente, imaculado:
"Transforma-se o amador na cousa amada,Por virtude do muito imaginar,Não tenho logo mais que desejar,Pois em mim tenho a parte desejada.Se nela está minha alma transformada,Que mais deseja o corpo alcançar?Em si somente pode descansar,Pois consigo tal alma está liada." (3)
Mas também evoca o erotismo, os desejos e a arte de tão bem seduzir. Dirá mais tarde, n’Os Lusíadas:
"Oh! Que famintos beijos na floresta,E que mimoso choro que soava!Que afagos tam suaves, que ira honesta,Que em risinhos alegres se tornava!O que mais passam na manhã e na sesta,Que Vénus com prazeres inflamava,Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo;Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo." (5)
Num plano mais terreno, Camões tem outras inquietações. É apontado como sujeito folgado e briguento. Ganha a alcunha de Trinca-Fortes. As suas desavenças dão origem ao desterro, em 1548. Segue para o Ribatejo. No bolso, nem um vintém. Amigos afortunados garantem-lhe cama e comida.
Vive seis meses na província, de favores. Resolve alistar-se na milícia do Ultramar. Embarca para Ceuta no Outono de 1549. Perde o olho direito numa escaramuça contra os mouros inimigos de Cristo. Em 1551, volta a Lisboa. Amargura, desilusão:
"(...) Que castigo tamanho e que justiça.(...)Que mortes que perigos, que tormentas,Que crueldades neles experimenta."(6)
O poeta anda muito calado. Reflexões. Confessa aos amigos que sente despedaçados todos os valores em que acredita, ele, homem de princípios cristãos. Aflito com as diferenças entre utopia e realidade, aspiração e recompensa. Já escrevera sobre a contradição entre o que julga ser moral, racional e o que realmente testemunha e vive. É o "desconcerto do Mundo, em que os bons vê sempre passar no mundo graves tormentos, os maus vê sempre nadar em mar de contentamentos" (1). Tais injustiças passam a ser tema constante na sua lírica. Descreve os seus infortúnios, aponta com desprezo a sede cobiçosa, o querer tiranizar (1). Também não lhe escapam as transformações às quais os homens estão sujeitos:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontadesMuda-se o Ser, muda-se a confiança;Todo mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades." (3)
Camões acorda na praia. Tudo embaçado, imagens sem sentido. Sonho e realidade confundem-se. Abandona-se. Chora a perda da mulher amada: Dinamene, a chinesa, "aquela cativa que me tem cativo"... Ela, que viajou em sua companhia, não sobreviveu ao naufrágio.
Luís Vaz levanta-se, caminhar trôpego, desconsolo:
"Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no céu eternamente E viva eu cá na terra sempre triste." (3)
Permanece na região em companhia de monges budistas, até que um dia é levado de volta a Goa num navio português.
Em Goa, sempre as atribulações: um empréstimo aqui, outro acolá. Finta. Um credor zanga-se. Cadeia. Do cárcere, Camões invoca os bons ofícios do Conde de Redondo, vice-Rei da Índia Portuguesa, nuns versos humorísticos escritos por volta de 1562. O vice-rei concede-lhe a liberdade. O poeta é ainda distinguido com a sua protecção.
Nesta época mantém contactos com outras figuras importantes. Representa o auto do Filodemo ao governador Francisco Barreto. Compõe uma ode a favor do vice-rei D. Constantino de Bragança, defende-o contra críticas. Também é amigo do vice-rei Francisco de Sousa Coutinho. Ganha de um deles a nomeação para a feitoria do Chaul, mas não chega a ocupar o cargo. Convive com Diogo do Couto, o continuador das "Décadas", e com Garcia de Orta. O médico, naturalista e ex-catedrático de Lisboa pede-lhe uma ode para acompanhar a primeira edição dos "Diálogos dos Simples e Drogas".
Apesar das boas relações, Camões queixa-se da vida difícil. Resolve então celebrar as próprias desgraças, é o que diz aos companheiros. Banquete. Mas na mesa, não há iguarias nem bom vinho.
Heliogábalo zombava das pessoas convidadas, E de sorte as enganava,Que as iguarias que dava Vinham nos pratos pintadas. Não temais tal travessura, Pois já não pode ser nova; Que a ceia está segura De não vos vir em pintura, Mas há de vir toda em trova." (3)
Em 1567, Camões conhece Pêro Barreto. Nomeado capitão para Moçambique, Barreto promete-lhe um emprego e adianta-lhe o pagamento da passagem. Dívida prolongada. Os dois brigam. O Capitão manda prendê-lo, rotina.
Fome. Os amigos mais uma vez ajudam-no. Inverno. Camões fecha-se na poesia. Retoca os seus Lusíadas. Deseja muito imprimi-los. Nestes dias de frio, o poeta nunca larga a sua pena: compõe o "Parnaso Lusitano", colectânea de poemas líricos. Obra de muita erudição, consideram os amigos. Um ladino leva-a, fim desconhecido.
Finais de 1569. Nos últimos meses, o poeta fala muito na Pátria, que tanto exalta em seus cantos. Saudades. Diogo do Couto junta uns amigos, compram roupas a Camões, pagam-lhes as dívidas e ajudam-no a deixar Moçambique.
Camões chega a Lisboa na Santa Clara, em 1570. Traz com ele Jau, um escravo javanês comprado em Moçambique, e os dez cantos d’Os Lusíadas. Na capital portuguesa vai viver com a mãe, na Mouraria. A sua penúria é ainda maior. O poeta abatido pousa a cabeça na escrivaninha e queixa-se em voz baixa: "Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados!
Apenas uma ambição: editar Os Lusíadas. Macambúzio, roupa apertada e esgarçada, restos de altivez, o poeta pede ajuda ao Conde de Vimioso, D. Manuel de Portugal. Permissão real para levar adiante o seu projecto. Júbilo. O censor, Frei Bartolomeu Ferreira, concede-lhe o imprimatur. Mas antes, lê o poema e faz algumas modificações: limpeza de certos indícios de impiedade.
Na oficina do Mestre António Gonçalves, à Costa do Castelo, a obra de Camões ganha corpo. Desatenção: duzentos exemplares cheios de erros tipográficos. Correm os primeiros meses de 1572.
Após a publicação, D. Sebastião, o jovem monarca, concede ao poeta uma tença trienal de 15 mil réis, ou seja 40 réis por dia, "em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar". Vale lembrar que, nesta época, um carpinteiro ganha em média 160 réis por dia. A pensão é renovada em 1575 e novamente em 1578. Conta-se que o poeta sobrevive juntando estes proventos às esmolas recolhidas pelo escravo javanês.
O seu nome começa a fazer eco. Composições líricas e até cartas suas - uma escrita em Ceuta, outra na Índia e mais duas escritas em Lisboa - passam a ser recolhidas em cancioneiros particulares manuscritos.
Em 1579 a peste assola Lisboa. Num quarto escuro, Camões estirado na cama. Tem muita febre e já ninguém duvida que é mais uma vítima da doença. Na boca, um gosto, misto de gengibre, canela, cominhos e açafrão: remédio contra a pestilência. Dona Ana de Macedo segue todas as receitas conhecidas: sangria e até sumo de serpilho misturado com leite de mulher. Na casa, o fogo sempre aceso para queimar o ar que tresanda.
O autor d’Os Lusíadas está muito fraco, mas insiste em escrever. Remete uma carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa, à independência nacional ameaçada. "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".
A mãe deixa o quarto, prato de comida intacto nas mãos. O poeta já não reage. Desvanece
"Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,Se por acaso é verdade que inda vivo;(...) Choro pelo passado; e, enquanto falo,Se me passam os dias passo a passo.Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena." (3)
O seu corpo é sepultado num canto qualquer da banda de fora do cemitério do Convento de Santana. E ainda assim graças à Companhia dos Cortesãos, que paga as despesas do funeral. Segundo os amigos mais próximos, os últimos anos de Camões são vividos na mais absoluta miséria. À mãe deixa apenas a tença que lhe foi atribuída e a ela transferida.
Depois da sua morte cresce o interesse pelos seus poemas - apenas três deles publicados em vida - e pelos seus autos e comédias: Auto dos Anfitriões, Auto d’El Rei-Seleuco e o Auto de Filodemo.
Em 1548 sai a segunda edição d’Os Lusíadas, chamada "Dos Piscos". Expurgada pela censura, que a mutila, principalmente por motivos religiosos, até à quarta edição em 1609. Em 1670, contam-se 18 edições dos cantos. O tempo passa, estudiosos de vários pontos do mundo debruçam-se sobre a sua vida e obra. É elevado a herói nacional. O poeta ainda vivo, apesar do seu fado. Vivo pelo seu amor à Pátria, pela epopeia, pel’Os Lusíadas. Vivo pela sua angústia existencial, pela sua lírica: a mulher como anjo, porém a carne; a razão, porém o desejo; as ideias, porém o dia-a-dia; o espírito, porém o corpo. Luís Vaz dilacerado, violência, violência:
"Erros meus, má fortuna, amor ardenteEm minha perdição se conjuraram;Os erros e a fortuna sobejaram,Que para mim bastava amor somente.Tudo passei; mas tenho tão presenteA grande dor das cousas que passaram,Que as magoadas iras me ensinaramA não querer já nunca ser contente.Errei todo o discurso dos meus anos;Dei causa a que a fortuna castigasseAs minhas mais fundadas esperanças.De amor não vi se não breves enganos.Oh! quem tanto pudesse, que fartasseEste meu duro Génio de vinganças!"(1)
(1) "Rimas,1616 - (2) "Os Lusíadas", canto VII - (3) "Rhitmas, 1595 - (4) "Rimas", 1598 - (5) "Os Lusíadas", Canto IX - (6) "Os Lusíadas", canto IV - (7) "Rimas", 1668
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VICTOR HUGO - BIOGRAFIA

                                                               Victor Hugo

Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 - Paris, 22 de maio de 1885) foi um escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables, sua melhor peça e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras.
Filho de Joseph Hugo e de Sophie Trébuchet, nasceu em Besançon, no Doubs, mas passou a infância em Paris. Estadas em Nápoles e na Espanha acabaram por influenciar profundamente sua obra. Funda com os seus irmãos em 1819 uma revista, o Conservateur littéraire (Conservador literário), que já chama a atenção para o seu talento. No mesmo ano, ganha o concurso da Académie des Jeux Floraux.
O seu primeiro recolhimento de poemas, Odes, é publicado em 1822: tem então vinte e sete anos.
Com Cromwell, publicado em 1827, alcança o sucesso. No prefácio deste drama em versos, que não foi encenado enquanto esteve vivo, opõe-se às convenções clássicas, em especial à unidade de tempo e à unidade de lugar.
Tem, até uma idade avançada, diversas amantes, sendo a mais famosa Juliette Drouet, atriz sem talento que lhe dedica a sua vida, e a quem ele escreve numerosos poemas. Ambos passavam juntos o aniversário do seu encontro e preenchiam, nesta ocasião, ano após ano, um caderno comum que nomeavam o Livro do aniversário.
Alugava apartamentos nos arredores de Paris com nomes falsos, onde encontrava-se com suas amantes. Numa dessas ocasiões foi flagradocom Léonie Briard, cujo o marido havia chamado a polícia, a mulher foi presa, quanto a Victor Hugo nada ocorreu-lhe.
Criado por sua mãe no espírito da monarquia, acaba por se convencer, pouco a pouco, do interesse da democracia ("Cresci", escreve num poema onde se justifica). A sua ideia é que "onde o conhecimento está apenas num homem, a monarquia se impõe." "Onde está num grupo de homens, deve fazer lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então vem o tempo da democracia".
Tendo se tornado favorável a uma democracia liberal e humanitária, é eleito deputado da Segunda República em 1848, e apoia a candidatura do príncipe Louis-Napoléon.O enterro de Victor Hugo, em 1885.
Exila-se após o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, que condena vigorosamente por razões morais em "Histoire d'un crime".
Durante o Segundo Império, em oposição a Napoléon III, vive em exílio em Jersey, Guernsey e Bruxelas. É um dos únicos proscritos a recusar a anistia decidida algum tempo depois: « Et s'il n'en reste qu'un, je serai celui-là » ("e se sobra apenas um, serei eu").
Com a morte da sua filha, Leopoldina, começa a descobrir e investigar experiências espíritas relatadas numa obra diferente nomeada "Les tables tournantes de Jersey".
De acordo com seu último desejo, seu corpo é depositado em um caixão humilde que é enterrado no Panthéon.
Tendo ficado vários dias exposto sob o Arco do Triunfo, estima-se que 1 milhão de pessoas vieram lhe prestar uma última homenagem. Quando morreu as prostitutas de Paris ficaram de luto.

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