Por Philippe Baden Powell
PARA QUEM NÃO SABE...
Baden
Powell é considerado um dos maiores violonistas de todos os tempos e um dos
compositores mais expressivos da nossa música. Criador de um estilo próprio,
foi o violonista mais influente de sua geração, tornando-se uma referência
entre os violões havidos e a haver. Sua música rompe as barreiras que separam a
música erudita da música popular, trazendo consigo as raízes afro-brasileiras e
o regional brasileiro.
ORIGENS
Baden nasceu no dia 06
de Agosto de 1937 em uma cidadezinha no norte do estado Fluminense chamada
"Varre-e-Sai". Ele nunca soube me dizer porquê a cidade tem esse
nome, mas sempre falou dela com muito amor. Dizia que seu pai o havia ensinado
a ter saudades de "Varre-e-Sai". Meu avô se chamava Lilo de Aquino,
mas tinha o apelido de "Tic", era sapateiro de profissão e chef de
escoteiro. Meu pai ganhou o nome de Baden Powell em homenagem ao fundador do
escotismo: o General britânico Robert Thompsom S. S. Baden Powell.
A música faz parte da história da nossa
família há algumas gerações, meu bisavô, Vicente Thomaz de Aquino, foi um
fazendeiro negro que fundou talvez uma das primeiras e únicas bandas de
escravos que tocavam e cantavam suas raízes. Sempre ouví muitas histórias de
meus ascendentes mas infelizmente não conheci meus avós. A família decidiu se
mudar para o Rio de Janeiro e com apenas três meses Baden tornou-se carioca do
bairro de São Cristóvão. Cresceu ouvindo música; contava as histórias de seu pai,
violinista amador, que fazia reuniões musicais em casa com os amigos
Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Jaime Florence (o "Meira"), entre
outros bambas da música dessa época. Contava também que costumava acompanhar os
saraus batucando no armário do quarto.
Com oito
anos Baden se apaixonou por um violão que sua tia ganhara numa rifa. Ela não
tocava nada e por isso o deixou pendurado na parede da sala. Baden ficava
"namorando" o instrumento, mas era muito tímido pra pedir emprestado.
Um dia não resistiu e pegou escondido o violão, enrolou-o em uma toalha e
guardou debaixo da cama. Ficava descobrindo o som do instrumento e se
encantando cada vez mais por ele, dizendo para si mesmo: "Eu vou tocar
você!". Até que a mãe dele, limpando o quarto, achou o instrumento
escondido e reagiu muito mal, exigindo que Baden o devolvesse a sua tia, coisa
que ele se recusou. Quando "Seu Tic" chegou do trabalho, soube da
história e entendeu que havia algum interesse se manifestando, ele decidiu
iniciar o Baden nas primeiras posições de acordes do instrumento. Em poucas
aulas Baden já havia esgotado o pouco conhecimento violonístico do pai e foi encaminhado
aos cuidados do Meira, grande mestre violonista que foi também professor de
Rafael Rabello e Maurício Carrilho.
TRIBUTO AO PROFESSOR
MEIRA
Baden aprendeu muito
rápido, estudou violão clássico pela Escola de Tárrega e participava ainda
iniciante das rodas de choro organizadas pelo professor: "O Meira colocava
a gente sentado em volta da mesa e eu tinha que tocar tudo de ouvido, sem
direito a erro, senão o pessoal brigava!", relembrava Baden.
A
prática e convivência com os melhores músicos da época lhe valeram boa parte da
sua sabedoria musical. Baden era um prodígio gênial e seu talento se
desenvolveu muito rápido. No ano em que completou nove anos participou do
programa de calouros "Papel Carbono", apresentado por Renato Murce na
Rádio Nacional, e conquistou o primeiro lugar como calouro/solista de violão,
interpretando o choro "Magoado" de Dilermando Reis. Concluiu o curso
de violão em quatro anos, aos treze tinha no repertório uma transcrição própria
do Muoto Perpetuo de Paganini. Um dia seus pais foram chamados por Meira, que
lhes disse não ter mais nada a ensinar ao jovem virtuose. A partir daí, começou
a atuar profissionalmente recebendo seus primeiros cachês em bailes e festas no
suburbio e na boemia Lapa. O primeiro conjunto que formou foi um trio composto
por Milton Banana na bateria e Ed Lincoln ao contrabaixo.
UM VIOLÃO NA MADRUGADA
Terminado o ginásio no
Instituto Cyleno, em São
Januário , Baden começou a trabalhar como músico de orquestra
na Rádio Nacional, e fez excursões pelo Brasil organizadas por Renato Murce
onde os convidados principais eram artistas de cinema da época como Adelaide
Chiozzo, Carlos Mattos, Eliana e Cyl Farney. Durante a década de 1950 integrou
o Trio do pianista Ed Lincoln, atuando na Boite Plaza em Copacabana: ponto de
encontro dos amantes da boa música, entre os quais figurava um certo jovem
Antonio Carlos Jobim, admirador do violonista e também atuante na noite
carioca. Sua fama de exelente músico se espalhou rápido e em pouco tempo ele já
era um dos músicos mais requisitados entre cantoras, como Alaíde Costa e
Elizeth Cardoso, e estúdios de gravação. Nessa mesma época Baden começou a
compor com seus primeiros parceiros: Nilo Queiroz, Aloysio de Oliveira, Geraldo
Vandré e Ruy Guerra. Nessa primeira leva nasceram "Deve ser amor",
"Não é bem assim", "Rosa flor", "Conversa de poeta",
"Vou por aí", "Canção à minha amada", mas seu primeiro
grande sucesso veio em 1956: "Samba Triste" em parceria com Billy
Blanco. No final da década de 50 ele gravou seu primeiro disco,
"Apresentando Baden Powell e seu Violão", lançado pela gravadora
Philips, que hoje é Universal.
UM VIOLÃO AFRO -
BRASILEIRO
No
início da década de 60, Baden tocava na boate Arpège, em Copacabana, e recebeu
a visita do poetinha Vinicius de Moraes, que foi assistí-lo. A parceria Tom
& Vinicius já fazia barulho e Baden ficou muito entusiasmado com o convite
do poeta para que fizessem umas "musiquinhas" juntos. "O
Vinicius chegou me mostrando uma letra que ele disse ter feito pra toccata 147
de Bach, Jesus Alegria dos Homens, e cantarolou: - Entre as prendas com que a
natureza… Aí eu pensei que ele era maluco, hahaha!". Marcaram uns três
"bolos" (encontros aos quais, um dos dois sempre faltava) e depois se
trancaram no apartamento do Vinicius durante quase três meses; violão, máquina
de escrever e o melhor amigo do homem, segundo Vinicius, o cão engarrafado:
Whiskie. O Vinicius, que ainda era diplomata, pediu uma licensa ao Itamarathy e
ligou para os pais do Baden avisando que ele ia ficar em sua casa uns dias.
Imagina, o Baden mal havia entrado na casa dos vinte e tomava guaraná! Durante
esse período nacseram diversas composições, a primeira paerceria chama-se
"Canção de ninar meu bem" e da mesma safra outras viraram clássicos
da Bossa Nova e da MPB, como "Samba em Prelúdio", "Só por
amor", "Bom dia amigo" e "O Astronauta". Entre essas
parcerias se destaca uma suíte cuja a linha temática é a história dos Orixás
(santos na religião do Candomblé), batizada de "Os Afros-Sambas", que
talvez seja a obra mais característica da dupla. Em um depoimento Vinicius
disse: "[…] o disco os 'Afros-Sambas' de Baden e Vinicius' realizou um
novo sincretismo, deu uma dimensão mais universal ao candomblé
afro-brasileiro".
E assim
o movimento "Bossa Nova" ganhou uma nova vertente. O sucesso da dupla
foi muito grande, Baden e Vinicius eram figurinhas fáceis no programa "O
Fino da Bossa" apresentado por Elis Regina, que fez com que muitas dessas
parcerias se tornassem sucessos. Conta a lenda que a letra do "Canto de
Ossanha" foi escrita para Elis minutos antes de um programa ir ao ar, e
ela cantou lendo o manuscrito do poeta como se já soubesse a música. A divina
Elizeth Cardoso, amiga de Vinicius, também foi uma voz que imortalizou várias
canções e sambas de Baden. Também Ciro Monteiro dedicou um disco à parceria chamado
de "Baden e Vinicius".
Paulo
César Pinheiro também foi um parceiro musical da maior relevância na obra de
Baden. Juntos compuseram uma obra influenciada pelo samba e pelo choro, com
letras inspiradas na liguagem popular e erudita. Paulo César Pinheiro é um
letrista cuja poesia traduz fielmente as melodias de Baden. A obra desta
parceria é uma evolução harmônica, melódica e poética do samba. O primeiro
samba composto pela dupla foi "Lapinha", vencedor da I Bienal do
Samba no ano de 1968, defendido por Elis Regina, que também imortalizou
"Cai dentro", "Aviso aos navegantes", "Samba do
perdão" e "Vou deitar e rolar".
UM VIOLÃO NO MUNDO
Ainda durante a década
de 60, Baden faz sua primeira visita à terra onde mais tarde se consagraria: a
França. Na verdade, por motivos de força maior, Baden deixou de ir para os
Estados Unidos, seu pai havia ficado muito doente e ele resolveu ficar no Brasil.
Pouco tempo depois o “seu Tic” faleceu, deixando a lembrança de um Velho amigo,
à quem Baden dedicou uma canção homônima, com letra do Vinicius.
Convencido
por um amigo, não duvido muito que tenha sido o próprio Vinicius, de que a
Europa tinha muito mais a oferecer do que os EUA, o Baden trocou sua passagem
Rio-NY por uma Rio-Paris e embarcou para a cidade luz. Ele permaneceu na França
por vinte anos e depois mais 5 na Alemanha, acho que ele realmente gostou de
lá. O fato é que Baden se apaixonou por Paris e pelo povo francês, que o
acolheu tão calorosamente. Chegando em Paris foi logo encaminhado ao Quartier
Latin, bairro boêmio, onde se concentrava toda a juventude parisiense - reduto
dos artistas e da efervecência cultural. Baden começou a tocar em pequenos
restaurantes e bares e logo chamava atenção pela sua singularidade sonora. Ele
sempre me disse para estar preparado musicalmente para qualquer situação, e me
contava que entre duas músicas interpretava uma de suas releituras dos
clássicos brasileiros como Manhã de Carnaval, captando a atenção de quem estava
assistindo.
Ao final
de três meses, prazo de isenção de visto concedido pela França a todo
visitante, o compositor, ator e cineasta francês Pierre Barouh, que escreveu
uma linda versão do "Samba da Benção" - "Samba Saravah" -,
conseguiu que o Baden fizesse uma apresentação na primeira parte do show do
cantor Jacques Brel. Foi a grande oportunidade de Baden: uma apresentação para
um público entendido e apreciador de música. Bem como ele me aconselhou, estava
mais do que pronto, e no final de seu concerto foi chamado mais 8 vezes de
volta ao palco! Estavam na platéia agentes e empresários, diretores de
gravadoras e jornalistas, todos impressionados e surpresos por uma música
original e cheia de energia, que misturava samba com batuque, música clássica
com improvisação, e lindas melodias dos já sucessos da Bossa Nova. Aquele foi o
início de sua carreira internacional, a partir dali foram uma sucessão de
propostas que resultaram em vários discos, tournées pelo mundo e parcerias
inesquecíveis com diversos artistas com Stéphane Grappelli, Michel Legrand,
Liza Minelli e Claude Nougaro, entre outros.
VIOLÃO ETERNO
Baden Powell trilhou
um caminho de sucesso, respeitado e reverenciado por sua musicalidade e
genialidade como instrumentista. Ganhou reconhecimento mundial, deixando seus
acordes gravados no coração de vários fãs pelo mundo. Gravou mais de 70 discos
e recebeu diversos prêmios pelo conjunto de sua obra, deixando um imenso legado
a todos os músicos e amantes da música. Sua influência é marcante e está
presente nas novas gerações de músicos, contribuindo para a evolução da música
brasileira.