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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

BRASÍLIO ITIBERÊ DA CUNHA - BIOGRAFIA


                                        
                         Brasílio Itiberê da Cunha

Brasílio Itiberê da Cunha, nasceu em Paranaguá, em 8 de setembro de 1846 em uma família musical: se destacaram pai, tio, irmãos, sobrinho. A escolha de seu nome já reflete duplamente a “postura nacionalista” de que fala Sérgio CABRAL (1997, p. 39): “Assim, surgiram os Brasílio Itiberê, os Índios do Brasil, os Suassuna e os sobrenomes indígenas...”. 

Se o pai derivou seu primeiro nome do país, o próprio Brasílio teria sugerido a adição do nome indígena Itiberê, rio afluente do Paranaguá (MARIZ, 1994, p. 116). 

Estudou violino, mas foi ao piano, cujas primeiras lições lhe ministrou a irmã Maria Lourença (CASTAGNA, 2008, p. 10), que Brasílio Itiberê se tornou conhecido como virtuoso e compositor. 

Aos 20 anos, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo onde teve, como colegas, futuros ilustres e influentes personalidades como Rui Barbosa, Rodrigues Alves, Afonso Pena e Castro Alves. Estímulos para a busca de um nacionalismo, em todos os sentidos, não faltaram no ambiente acadêmico, como “...o desejo que temos de ver nacionalizada também a Música no Brasil... A nossa natureza esplêndida, a nossa educação política, os costumes e as inclinações do nosso povo devem necessariamente inspirar nossos artistas...”, de que falava o ativista Vicente Xavier de Toledo em 1867 (RESENDE, 1954, p. 221).

Vida musical e engajamento político se integravam para Brasílio Itiberê. A Sertaneja (ITIBERÊ DA CUNHA, 1996) foi dedicada ao “Exmo Srn-Conselheiro Saldanha Marinho” 2. Brasílio Itiberê pode ter sido um dos pianistas presentes ao sarau em que Castro Alves declamou trechos do à época inédito poema Os escravos (NEVES, 1996, p. 27). Para arrecadar fundos para aSociedade Redemptora, que objetivava comprar a liberdade de crianças escravas, participou de um concerto beneficente em 20 de agosto de 1870, tocando, entre outras obras, a sua meditativa Supplica do escravo (cartaz de concerto reproduzido em NEVES, 1996, p. 31). Quase dois meses antes, o próprio Brasílio Itiberê conseguiu cartas de alforria para três crianças negras, ação que foi elogiada no Correio Paulistano (NEVES, 1996, p. 30).

Embora ainda estivesse se dedicando à finalização de seu Curso de Direito, não estava alheio à crescente efervescência do pianismo que a sociedade paulista experimentava na segunda metade do século XIX. Paulo CASTAGNA (2008, p. 9) lembra da possível influência de pianistas virtuosos de consolidadas carreiras internacionais que se apresentaram no Brasil, como Sigismond Thalberg (1812-1871) em 1855 e o norte-americano Louis Moreau Gottschalk (1828-1869), que aqui residiu. 
No ano de 1869, tanto a Casa Levy quanto a loja de música paulista Madame Fertin anunciavam o recebimento de novas obras para piano para seu ávido público e, entre essas, a fantasia característica A Sertaneja de Brasílio Itiberê.




Já Bacharel em Direito, viajou para o Rio de Janeiro, onde procurou divulgar sua obra. Em um de seus concertos, realizado na Quinta da Boa Vista, contou com a presença do Imperador D. Pedro II quem, encantado com o artista e dentro de uma prática do que se tornaria comum na corte brasileira, ofereceu-lhe um custeio para completar seus estudos na Europa. 

Esta ajuda, entretanto, devido à formação acadêmica de Brasílio Itiberê, ao contrário daquela da maioria dos músicos brasileiros, acabou se traduzindo em um cargo oficial no corpo diplomático, a convite da Princesa Isabel em 1870 (CASTAGNA, 2008, p. 10). Na sua trajetória política, morou em diversos países da Europa e América do Sul: Prússia, Itália, Bélgica, Bolívia, Peru, Paraguai e Portugal. No Paraguai, teve destacada atuação no processo de re-estabelecimento da paz após a guerra contra a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai).

Mas foi nos períodos de residência nos países europeus que pode continuar seus estudos musicais e se aproximar de reconhecidos compositores e instrumentistas. Sua posição como adido cultural brasileiro facilitou seu trânsito no meio musical, sendo que o período em Roma, entre 1873 e 1882, foi dos mais intensos. Em um evento, na mesma noite, reuniu três dos mais renomados pianistas: Giovanni Sgambati, Franz Liszt e Anton Rubinstein, o último para o qual teria escrito um Estudo de Concerto (ACADEMIA BRASILEIRA DE MÚSICA, 2008). Relatos espúrios contam da troca de gentilezas entre Brasílio Itiberê e Liszt que teriam lido, cada um, uma obra do outro: nosso compositor teria tocado as Soirées à Venise de Liszt, e este, aSertaneja. Há ainda a história de que Liszt teria ouvido o pianista brasileiro estudando no seu quarto de hotel na Via del Corsouma de suas difíceis obras e, por isso, bate-lhe à porta. Da amizade entre os dois, restou um bilhete em que Liszt agradece e retribui “uma magnífica remessa” que NEVES (1996, p. 45) cogita ter sido A Sertaneja:
“Querido SenhorMil agradecimentos por sua magnífica remessa. Como uma pobre [retribuição] eu vos ofereço minha Messe pour Orgue (ou Harmoniumsans Chant; e como outra, uma bagatelle recentemente publicada e já esquecidaAfetuosamente,
F. Liszt. Quarta-feira.”
Brasílio Itiberê deixou cerca de 60 obras, a maioria das quais pouco conhecida e, muitas, ainda desaparecidas. 30 estão guardadas na Biblioteca Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba (algumas poucas podem também ser encontradas na Biblioteca Nacional no Rio de janeiro). No catálogo que preparou, Mercedes Reis Pequeno (NEVES, 1996, p. 101109) descreve 21 peças para piano solo com número de Opus (o que sugere a existência de pelo menos outras 20 desaparecidas de um total de 41); 11 peças para piano solo sem número de Opus (onde faltam mais 2 mencionadas em jornais); 3 arranjos para violino e piano; 5 obras vocais (3 religiosas, uma de Natal e outra profana) para instrumentações diversas com piano e cordas. Embora entre as obras do compositor predominem os títulos convencionais do repertório erudito de salão do século XIX, algumas merecem um estudo cuidadoso para se verificar até onde se estende seu viés nacionalista além de A SertanejaDanse americaineBallade des tropiquesA SerranaSúplica do escravo.

Brasílio Itiberê faleceu em 11 de agosto de 1913 em Berlim, pouco antes de sua transferência como diplomata para os Estados Unidos (MARCONDES, 1998, p. 225). 
Entretanto, havia deixado claro para a família seu desejo de retornar ao país natal. Duas semanas depois, seu corpo embalsamado chegou a Paranaguá e seguiu no dia seguinte para Curitiba, onde foi sepultado. Mais tarde, como o governo do Paraná não ergueu um prometido monumento ao compositor, sua família decidiu levar suas cinzas para o túmulo da esposa no Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro (NEVES, 1996, p. 50).
Entre os compositores brasileiros que viveram na Europa do século XIX e que retornaram ao Brasil trazendo consigo significativo impacto na vida musical brasileira, José Maria Neves destacou Carlos Gomes e Henrique Oswald. Entretanto, foi o compositor e pianista paranaense Brasílio Itiberê que ele chamou de patriarca, ao utilizar explicitamente um tema folclórico brasileiro (NEVES, 1980, p. 204-205).

De fato, A Sertaneja, obra de juventude de Brasílio Itiberê (publicada quando este tinha 23 anos) e que se tornou a mais conhecida do compositor, apontava para a emergência de um nacionalismo na música erudita brasileira devido à inclusão, no seu tema central, de fragmentos do Balaio, meu bem, balaio. Este tema folclórico, popular não apenas no Paraná, mas em outros estados como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Sergipe está ligado à tradição de dança do fandango português ou, mesmo, do bambaquerê (dança de bambá) de origem africana (CAMEU, 1970).

Mas A Sertaneja não surgiu isoladamente dentro do processo de nacionalismo musical que, ao final do século XIX, enfraqueceu o paradigma de centralização do modelo tripartite erudito alemão-francês-italiano. Na música brasileira, exemplos pontuais remontam ao início do século XVIII. Há evidências de que o ainda praticamente desconhecido compositor brasileiro Antônio José da Silva (1705-1739), mais conhecido pelo apelido de “O Judeu” e queimado aos 34 anos em fogueira pela Santa Inquisição, utilizou temas do fado português e da modinha abrasileirada nas suas operetas (APPLEBY, 1983, p. 44), algumas das quais foram apresentadas ao público europeu (NEVES, 1980, p. 202). Na Bahia de 1759-1760, um até hoje anônimo compositor, possivelmente português, recorreu à língua nativa para elogiar um magistrado no Recitativo Aria da cantataHerói, egrégio (ANÔNIMO, 1997; BORÉM, LIMA, 2008). Em O Amor brazileiro para piano solo, um “Capricho dedicado à Donna Maria Joanna de Almeida” de 1819, o austríaco Sigismund Neukomm (1767-1858) contrapõe a verve do classicismo austríaco a um bastante sincopado tema de lundu (APPLEBY, 1983, p. 61; NEUKOMM, 2006, p. 3, veja Exemplo 1). Carlos Gomes, em A Cayumba, publicada em 1857, com texto cantado em português, combina ritmos de danças negras à ambientação da polca de salão (CASTAGNA, 2008, p. 9).

Mais para o final do século XIX, Alexandre Levy (1864-1892) compôs as Variations sur um thème populaire brésilien – Vem cá, Bitu (1887), o Tango brasileiro (1890) e a Suite Brasileira (1890), cujo quarto movimento, Samba, deixa claro suas intenções nacionalistas no próprio título (CASTAGNA, 2008, p. 10; NEVES, 1980, p. 205). Seu irmão, Luís Levy (1861-1935), escreveu duas Rapsódias brasileiras (a primeira, em 1894, e a segunda, em data desconhecida). Finalmente, Alberto Nepomuceno (1864-1920) receberia boa parte da fama de precursor do nacionalismo brasileiro por causar “...o impacto de uma expressão totalmente nova de elementos nacionais” (APPLEBY, 1983, p. 89), muito em função de sua Serie Brasileira(18881896) ter sido bastante divulgada ao receber logo uma edição comercial.
Entretanto, do ponto de vista do alcance destas obras “pré-nacionalistas”, nenhuma obteve o êxito e a popularidade de A Sertaneja, concorrendo para isto a profissão de político viajante de seu compositor e o fato do piano ser o instrumento de divulgação de repertório de câmara ou sinfônico por excelência (BORÉM, 1998, p. 21). Um pouco mais tarde, já exibindo a brasilidade muito mais engajada e sistemática do século XX, Villa-Lobos considerava Brasílio Itiberê, juntamente com Nepomuceno e Alexandre Levy, uma dos pontos de partida do nacionalismo brasileiro (ORREGO-SALAS, 1980, p. 182).
Estilística e indiretamente, A Sertaneja acaba fazendo referência a dois outros nacionalistas: o húngaro Franz Liszt e o polonês Frédéric Chopin, embora não pela exoticidade de um viés melódico, rítmico ou harmônico, mas sim pelo caráter rapsódico, pela concepção sonora e pela escrita idiomática do piano romântico da segunda metade do século XIX.
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Um comentário:

  1. Gostei muito, e por ele ser um meu ancestral me emociona ainda mais ! Obrigada pelo belo trabalho. Se houver mais informações, gostaria muito que compartilhem para eu poder adicionar ao meu trabalho de genealogia.
    Grata

    Paula

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