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segunda-feira, 17 de junho de 2013

ABÍLIO PEREIRA DE ALMEIDA - BIOGRAFIA


                                                          Almeida, Abílio Pereira de (1906 - 1977)


Biografia



Abílio Pereira de Almeida e a constituição da Companhia Cinematográfica Vera Cruz; um
histórico sobre o papel desempenhado pelo pesquisado na formação de um cinema
nacional de padrão internacional.
Autora: Maria da Conceição Parahyba Campos
Professora da graduação da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero
Formação: Bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie
 Licenciada em Letras (Português-Latim) pela Universidade de S.Paulo
 Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Comunicação

 Social Cásper Líbero

Resumo:


Abílio Pereira de Almeida – o homem dos sete instrumentos é o título do trabalho

apresentado como dissertação de mestrado para obtenção do título de mestre em Comunicação pela
Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, em 27 de abril passado. Esse trabalho apresenta a
trajetória de vida do autor, ator e tantas outras funções exercidas por Abílio; uma vida cheia de
atividades, as mais variadas; uma vida que, com o passar dos anos, foi se transformando, acabando
por ter um fim inesperado. Vida que apresentou uma constante alternância entre momentos de luxo
e tranqüilidade econômica e momentos de preocupante instabilidade financeira. Nesta comunicação
pretende-se mostrar Abílio como ator de cinema e cineasta, traçando o caminho percorrido por ele

nessas funções, junto à Vera Cruz.

Introdução


Abílio Pereira de Almeida desempenhou um papel preponderante na constituição do

moderno teatro brasileiro, que teve seu apogeu nas décadas de 40 e 50. Grupos amadores de
teatro acabaram por criar o Teatro Brasileiro de Comédia, do qual Abílio participou ativamente.
Quase como conseqüência do TBC, surgiu a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, uma
primeira tentativa de produção do filme nacional tecnicamente de padrão internacional. De todas
essas atividades artísticas, Abílio foi parte integrante. No entanto, um estudo bibliográfico sobre
a matéria não vai fornecer muitos dados a respeito dele, a não ser em publicações de jornais da
época ou uns poucos livros técnicos que dedicam a ele um espaço no meio de vários outros
assuntos. Daí o objetivo deste trabalho: traçar o percurso de Abílio na Vera Cruz, quer como
ator, quer como diretor, argumentista, roteirista ou como diretor superintendente.
A pesquisa para tal foi efetuada através da leitura dos poucos livros e revistas
especializados, coleção de recortes de jornal ( material pertencente à família), entrevistas com
artistas, seus contemporâneos e a leitura e seleção de papéis particulares que se encontram no
sítio, em Vinhedo, lugar onde Abílio morava.
Pudemos observar, nos entrevistados, um carinho muito grande em relação a Abílio.
Todos foram unânimes em afirmar que ele tinha sido de grande importância no momento
histórico em que viveu e não ocupava o lugar que merecia dentro da história do teatro e do

cinema nacionais. Este é um trabalho de resgate de memória.

Desenvolvimento


As atividades artísticas de Abílio começam cedo: pode-se dizer que com as brincadeiras de

teatro, com a irmã, ou nas festas de fim de ano letivo, nos tempos do Colégio São Luiz. Sua
carreira tem começo no teatro, em representações beneficentes, quando ainda cursava a Faculdade
de Direito. Apresentações, em geral organizadas por Alfredo Mesquita com seu grupo de teatro
amador, o Grupo de Teatro Experimental, que, mais tarde, junto com outros grupos amadores, vem
a constituir a equipe que levou o sonho de um teatro brasileiro moderno à realidade. Aí foram

plantadas as raízes do que viria a ser o Teatro Brasileiro de Comédia (o TBC).

Posição firmada como ator de teatro, Abílio não se contenta com isso. Participa da

criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e toma parte no primeiro filme rodado,
“Caiçara”. Filme de alto nível técnico e padrão internacional, rodado em Ilhabela, estréia no Cine
Marabá e outras 15 salas em São Paulo, no dia 1 de novembro de 1950; impressiona profundamente
a crítica especializada e o grande público que comenta existir, agora, cinema no Brasil, sendo

“Caiçara” o início do grande cinema brasileiro.

Sobre sua primeira experiência no cinema, diz Abílio:


“Após muitos testes, eu fui convidado para fazer um papel muito importante em

‘Caiçara’, que foi o primeiro filme da Vera Cruz. Eu contracenava sempre com o Carlos Vergueiro
e a Eliane Lage que era minha mulher no filme. Eu não entendia absolutamente nada de cinema, de
decupagem, nem de script, de cenas; era absolutamente nulo, estava a zero no cinema, de modo que
assisti a aquilo tudo com muita curiosidade e comecei a trabalhar em locação. Eu já tinha muita
experiência de teatro, não só de amador mas de profissional, no qual eu representava e dirigia.
Outra coisa que me causou muita espécie era o sistema inglês de filmagem, pelo menos naquele
tempo. Nós filmávamos com coluna guia de som e se exigia, a direção ou a supervisão da produção
exigia duas tomadas boas para cada cena filmada; duas tomadas boas significava que teria que
satisfazer as exigências da câmera, da direção, da iluminação e do som. Nessas condições, para se
obter uma tomada boa, às vezes se filmava 30 ou 40 vezes a mesma cena. Isto prolongava demais o
período de filmagem e gastava muitas e muitas latas de filme, sendo que o recorde daquele tempo
pertenceu ao ‘Tico-tico no Fubá’ em que se gastaram mais de 80 mil metros de filme. Quando o
‘Tico-tico no Fubá’ ficou montado em primeiro copião de trabalho tinha 8 horas de projeção.
Nessas condições, em ‘Caiçara’ eu me lembro que eu tinha que morrer num barco a vela e a cena
era tomada em segunda unidade, em mar alto e eu levei 10 dias para que essa cena fosse
considerada boa, levei 10 dias morrendo lá em alto mar, enjoando a bordo de um barquinho a
vela...” (1)

O segundo filme da Vera Cruz também conta com Abílio no papel principal; para o

papel, foi feita uma modificação no seu visual : o bigode foi raspado e os cabelos foram
encrespados; fica difícil reconhecê-lo. Seu personagem, Tonico, é um administrador de fazenda .
Esse filme é uma adaptação de sua peça “Paiol Velho” que, no cinema recebeu o nome de “Terra é
sempre terra”, drama realista e profundamente humano .As filmagens foram feitas na Fazenda Campo Alto, na região de Araras e também na
Fazenda Quilombo, na região de Campinas, ambas no estado de São Paulo.
Abílio continua relatando sua experiência num setor novo e pelo qual nutria uma grande
curiosidade; talvez tenha sido esse o desafio que o levou a acreditar e lutar para que a Vera Cruz
ocupasse o lugar que lhe era devido no meio artístico de então.
“Outra cena interessante, também de morte, foi no segundo filme da Vera Cruz, ‘Terra é
Sempre Terra’, em que eu era o Tonico e eu morria de derrame ou de um insulto cardíaco qualquer;
essa cena eu filmei 40 vezes, sendo, da primeira vez, 24 vezes; eles mandaram copiar, não ficaram
satisfeitos e eu tive que filmar mais 16 vezes. Era assim que se trabalhava na Vera Cruz.” (2)
O começo da atividade de Abílio como cineasta se confunde com o próprio começo das
atividades da Vera Cruz, uma vez que participou da criação da Companhia e teve papel
preponderante, como advogado, da constituição dela como pessoa jurídica.
Sob o título “Quando São Paulo filmava para o mundo”, publicado na Folha Ilustrada
de 6 de outubro de 1987, Sérgio Augusto se refere ao começo da Vera Cruz observando que, se São
Paulo era a terra da indústria, a indústria cinematográfica só poderia sair daqui, o que tinha sido dito
por um cineasta paulista, na década de 20.
No entanto, até o fim da década de 40 ela continuava sediada no Rio de Janeiro. Com a
implantação da Vera Cruz, em uma granja em São Bernardo, o ambicioso sonho paulista torna-se
realidade, embora por tão pequeno espaço de tempo. Não podendo ser chamada de “Hollywood dos
trópicos”, nome que foi dado à Atlântida, a carioca das chanchadas e contando com tantos italianos
em seus quadros, só poderia ser chamada de “Cinecittà da América do Sul”. E o foi.
“Começou assim, meio de brincadeira, com um modesto capital de 7500 contos, sem
ninguém pensar que a coisa ia crescer daquela maneira, virar um negócio de tantos milhões e
arruinar completamente o Zampari”, lembra Abílio Pereira de Almeida, que é chamado de “doublê”
de teatrólogo e cineasta pelo autor do artigo da Folha.
Seria mais interessante passarmos a palavra a ele mesmo para que conte como surgiu a
idéia de se fazer cinema em São Paulo.
“A fundação da Vera Cruz tem o seu lado pitoresco; isso se deu lá pelos idos de 1948. O
Franco Zampari, o casal Franco e Débora Zampari moravam na Rua Guadelupe, no Jardim
América; recebiam amigos, a alta sociedade e, depois de fundado o TBC, gente ligada ao teatro,

inclusive a minha pessoa.

E uma ocasião apareceu lá o Aldo Calvo com uma câmera (uma super 8 ou 8); ele e o

Adolfo Celi, que tinha vindo da Argentina dirigir o TBC. O Aldo Calvo foi o primeiro cenógrafo do
TBC: ele montou a minha peça ‘A Mulher do Próximo’. E inventaram de brincar de cinema. Nós
forjamos uma pequena história cujo entrecho era muito simples e até meio batido: ‘ roubo do
brilhante’ que é sobre um triângulo amoroso em que houve um rompimento e a mulher, para se
vingar do amante, forjou um roubo do brilhante que ela usava e o colocou, sem ser vista, no bolso
do Paulo (Fifi Assumpção e Paulo Coelho faziam os papéis principais) . Todos se dispuseram a
fazer uma revista nas pessoas e descobriram o brilhante e se incriminou o Paulo. Então ele foi
acusado de ladrão. Isso foi só um entrecho para dar margem a um filmezinho que se filmou
brincando de cinema e que, na semana seguinte, o Aldo Calvo levou lá revelado e projetou e saiu
bem montadinho, uma historiazinha engraçadinha e todo mundo se encantou com o filme e achou
extraordinário com que facilidade se filmava; e diziam ‘como é fácil filmar...’, ‘que beleza...’, ‘é
fácil..’. Essa idéia já estava sendo fermentada na cabeça do Franco Zampari porque ele achava que
podia aproveitar os elementos de artistas, técnicos e de cenografia, enfim todos os elementos de que
ele dispunha no TBC, e que não eram poucos, para o cinema e daí nasceu, dessa historinha, dessa
brincadeira, com um capital de 7500 contos, nasceu a Vera Cruz.” Esse primeiro filme, artesanal e
produto de uma brincadeira, está preservado, como nos informa Maria Rita Galvão em sua obra
“Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz”. O filmezinho foi doado à Cinemateca e a cópia
disponível está em péssimo estado de conservação, ressecada e com a perfuração imperfeita, não
permitindo que seja projetado antes de um tratamento para a sua recuperação.
O excesso de confiança em seu trabalho e na gama de contratados entre os melhores do
mundo que possuía em seus quadros gerou o slogan petulante e nada modesto que era apregoado
para quem quisesse (ou não) ouvir: “do planalto abençoado para as telas do mundo”.
“Criar grandes empresas e todo embasamento de técnicos, estúdios e equipamento, sem ter a
menor idéia do mercado ou das condições de produção, faz parte da tradição paulista do cinema
industrial – e não foi à toa que, nos referindo a ela, usamos por três vezes a palavra ‘mito’. A única
novidade é que, com a Vera Cruz, o mito pela primeira vez se concretiza.”(3) 
Financeiramente, por inexperiência, ingenuidade ou mesmo incapacidade empresarial, a
Vera Cruz se viu obrigada a encerrar suas atividades sem ter atingido “as telas do mundo”... “E o
sonho de um cinema brasileiro tipo exportação foi por água abaixo, para alegria das companhias

estrangeiras aqui estabelecidas.”

“Moral em Concordata” foi o terceiro filme da Vera Cruz. Foi censurado e cortado em São

Paulo, provocando reações de protesto no meio artístico. No Rio de Janeiro continuava proibido.
Depois do terceiro filme apresentado, era preciso rodar um filme cômico: os anteriores
haviam sido dramas.
Já havia a idéia: as peripécias de um motorista de caminhão, pobre, e a vida que ele enfrenta
à direção do seu veículo. A idéia era de Tom Payne e para o papel principal foi pensado, logo de
início, em Mazzaroppi, que era um comediante novo, com muito sucesso no rádio e começando a
aparecer na televisão, em programas ao vivo. O tipo que foi criado para “Sai da Frente” foi
conservado em todos os outros filmes de Mazzaroppi, mesmo depois do fim da Vera Cruz. Ele o fez
em filmes do Massaini e nas próprias produções.
Chamado para testes iniciais, Mazzaroppi revelou-se um homem de muito talento. Abílio fez
o script para ele, exclusivamente para ele, de uma história que se chamou “Sai da Frente”. Houve
uma continuação: “Nadando em dinheiro”, em que o motorista de caminhão (Isidoro) recebe uma
herança bem grande de um parente até então desconhecido e fica rico de repente. O filme é a
trajetória de Isidoro nas rodas da alta sociedade.
Mazzaroppi fez, ainda, para a Vera Cruz, “Candinho” e “O gato de Madame”, ambos com
roteiro e argumento de Abílio.
Quando do depoimento prestado por Abílio no MIS (Museu da Imagem e do Som),
perguntaram-lhe como ele definia Mazzaroppi e a resposta não se fez esperar:
“Eu acho o Mazzaroppi um homem de muito talento, tem um talento muito grande, tem uma
comicidade inata, muito extraordinária e é um admirável profissional, de muita tenacidade e muito
trabalhador. Tem um certo grau de humildade também pois está sempre procurando acertar. Ele faz
o cinema de bilheteria, procura um cinema comercial, sem grandes apelações, baseado na figura
central dele, na comicidade dele.”
Abílio compara-o a Dercy Gonçalves só que ele é mais completo em matéria de realizações
porque organiza empresas, produz muitos filmes e Dercy apenas interpreta e dirige a companhia. A
comparação não é feita tomando-se por base o talento, que os dois têm de sobra.
Na montagem de “Sai da Frente” houve um impasse: o diretor de montagem era o Oswald
Haffenrichter, montador premiado até com “Oscar”, e muito competente. Como era um filme

cômico, tinha que ser engraçado; ele via as cenas, não achava graça nenhuma e mandava cortar.

Com isso, jogou fora quase a metade do filme e o diretor, que era Abílio, tentava dizer que aquilo

era engraçado... e o diretor tem sempre que se submeter a editor chefe na montagem.
Quando o filme estreou, Abílio e Haffenrichter estavam no fundo da sala de projeção e a
cada tirada do Mazzaroppi, o público ria às gargalhadas. O Haffennrichter não entendeu nada e se
lamentava de ter jogado fora metade do filme. Ele era um homem premiado, oscarizado, que esteve
em campo de concentração, não podia rir das piadas do Mazzaroppi.
Abílio participa, como personagem, em “Ângela”, história baseada num conto de Hoffman,
“Sorte no jogo”, no qual ele é o padrasto de Ângela, figura principal vivida por Eliane Lage, um
jogador, que perde tudo no jogo.
O filme foi produzido e dirigido por Abílio e Tom Payne, sendo a distribuição feita
ainda pela Universal.
O papel de Abílio, nesse filme, é secundário mas ele o faz muito bem ora sendo um
filho dominado pela mãe, um fraco, dominado também pelo jogo. E é nesse ambiente que Abílio se
solta: jogando cartas numa mesa ou como espectador (e apostador) numa rinha, já não é mais o
personagem: parece até que não está representando, que está de fato vivendo aquele momento em
toda a sua intensidade. Sua atitude, seu olhar enquanto os galos se engalfinham, traduz toda a
emoção, toda a paixão que o jogo provoca nele. (Uma vez ele próprio declarou que o brasão de sua
família era uma dama de copas: jogo e mulher; e ele não sabia de qual gostava mais.) Em outras
cenas, é o ator correto que desempenha seu papel a contento.
Sob a direção de Fernando de Barros é lançado outro filme da Vera Cruz: com um
elenco de primeira linha como: Tonia Carrero, Anselmo Duarte, Paulo Autran, Alberto Ruschell, e
Ziembinski estréia “Appassionata”. Diz a caixa do vídeo: “No mundo da música, um escândalo
policial. Uma famosa pianista, acusada de um crime, tenta provar sua inocência e preservar sua
carreira. O dilema entre o amor e a arte numa trama apaixonante.”
Nesse filme, Abílio faz uma ponta: o delegado que faz as primeiras investigações.
Novamente a naturalidade e a presença desenvolta fazem pensar que ele faz isso todos os dias como
parte da sua rotina.
Quem assiste ao filme “Sinhá Moça” e procura o nome de Abílio nos créditos, não vai
encontrar. Pensa-se, então, que ele não participou desse filme. No entanto, numa cena quase final,
em que há o julgamento de um negro escravo, acusado de ter matado um empregado do patrão,
nessa cena de tribunal do júri (Anselmo Duarte como advogado de defesa), a fala do promotor dejustiça chama a atenção: não apenas pelas palavras mas por todo um conjunto de entonação de voz
e expressão corporal. Observando bem a fala e os gestos expressivos que só um advogado sabe
fazer num libelo acusatório, descobre-se, por baixo de estranho bigode, cavanhaque e suíças, o ator
Abílio Pereira de Almeida que, como não poderia deixar de ser, transforma-se no promotor público
com grande desenvoltura e maior naturalidade, convencendo o público que assiste ao filme de que
ele não faz mais nada na vida a não ser atuar num tribunal.
Já em “Candinho”, com Mazzaroppi, a pequena ponta que faz, como delegado de
polícia, não fica nada a dever às anteriores: é um delegado que ordena, que exige e sabe que deve
ser obedecido pelo tom de sua voz.
Um dos seus últimos trabalhos na Vera Cruz foi a pesquisa histórica sobre os
acontecimentos que tiveram lugar em 1822, em nossa Corte, no Rio de Janeiro e que culminaram
com a proclamação da independência do Brasil. Abílio mergulhou de corpo e alma nessa pesquisa
e, como resultado dela, tivemos o argumento de mais um filme, bem cuidado e caprichado, como
todos os outros da Vera Cruz: “Independência ou Morte”, que estreou em 2 de setembro de 1972 em
Curitiba, em 4 de setembro de 1972 em São Paulo, Brasília, Niterói, Piracicaba, Santos, Petrópolis,
Porto Alegre, Goiânia, Salvador, Recife, Maceió, Belém e Manaus; em 7 de setembro de 1972 no
Rio de Janeiro como parte das comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil.
Abílio teve uma pequena participação nesse filme também. Há uma sessão da Maçonaria,
presidida por Clemente Pereira, interpretado por Abílio. Pode-se notar aí que sua figura já não é a
mesma: está magro, abatido, as faces encovadas; continua com a cabeça erguida, desempenhando
seu papel com naturalidade mas não há o mesmo brilho de antigamente em seus olhos, sinal de que
a depressão que tomou conta dele nos últimos tempos, já está se aproximando. Não foram fáceis as
pesquisas do teatrólogo Abílio Pereira de Almeida: ele consultou, assessorado pelo professor

Péricles Pinheiro, todas as fontes possíveis para obter o maior número de elementos”.

Houve a realização do I Festival de Cinema de Punta del Leste, no Uruguai.

Estavam presentes atores famosos do cinema internacional; quem estava no auge na fama,
no momento, era Cantinflas, que circulava pela cidade e era alvo dos olhares curiosos dos repórteres
que lá estavam para cobrir a mostra.
Do cinema americano, as divas da época: Joan Fontaine, Patricia Neal, Lizabeth Scott e o
francês Gerard Philippe.
Do Brasil, além de Abílio, estavam Anselmo Duarte, Marisa Prado e Tonia Carrero. Tinham
levado “Tico-Tico no Fubá”. A presença deles foi um sucesso total; ficaram 15 dias e, quando
apareciam em público, logo eram cercados pela imprensa e por fãs. Tonia era a mais admirada;
todos viravam a cabeça para ver “la brasileña”.
 O grande problema da Vera Cruz, desde seu primeiro filme, foi o custo de produção. Como
Zampari visava o mercado internacional (e ninguém compreendia seu raciocínio, muito menos a
imprensa) trouxe técnicos e uma equipe preocupada com o cinema perfeccionista, com um custo de
produção altíssimo, incompatível com a nossa realidade. Havia, também, o problema da demora em
aprontar os filmes; trabalhavam, em cada filme, equipes de 40 a 50 pessoas; havia vários assistentes
organizados num rígido sistema hierárquico.
Filmavam 40 vezes a mesma cena e depois, mandava-se um material absurdo para revelar e
copiar no laboratório; na sala de projeções eram escolhidas as melhores tomadas. Então ninguém
sabia o que escolher, era tudo a mesma coisa.
Assim o trabalho não caminhava, as despesas continuavam e o custo de produção aumentava
consideravelmente; tanto que a imprensa não acreditava nos valores e achava que havia, no
processo, uma grande roubalheira.
Na verdade, a Vera Cruz fazia filmes muito baratos em comparação com os gastos do
cinema americano ou europeu. Com todo esse gasto e sem bilheteria suficiente para dar o retorno, a
Vera Cruz não agüentou muito tempo; Zampari ainda tentou uma saída, colocando lá o seu dinheiro
mas não conseguiu. Quebrou a Vera Cruz, quebrou o Zampari e quebrou o TBC, uma vez que a
contabilidade dos três era uma grande mistura.
E aconteceu a quebra da Vera Cruz quando Zampari vinha voltando da Europa com dois

prêmios internacionais conquistados por “Sinhá Moça” e “O Cangaceiro”.

O Banco do Estado cancelou os financiamentos e colocou Abílio à frente da Vera Cruz,

coisa que não durou muito tempo dada, principalmente, a forma errada de trabalho, adotada desde o
início de suas atividades .
Havia leis de proteção mas, do jeito que eram aplicadas, mais parecia serem de proteção ao
cinema estrangeiro, prejudicando, sobremaneira, o nacional.
Todo mundo sabia quais eram os verdadeiros problemas, mas ninguém se mexia para
resolver coisa nenhuma.
“Eu pessoalmente acho que não teria resolvido nada, o erro fundamental não estava na parte
de produção, estava na impossibilidade de venda do produto.” (4)
Outro grande problema que havia, era a questão da distribuição de filmes: dava-se o filme
para o concorrente distribuir. Até uma criança percebe que isto não é viável.
Abílio, para contornar a situação, montou a Brasil Filmes, paralela à Vera Cruz, para
distribuir os filmes. Quando ele deixou a Vera Cruz, o novo diretor voltou a trabalhar com a
Columbia e o problema recrudesceu.
Quando os problemas passaram a ser políticos, Abílio e Zampari procuraram políticos,
diretorias de bancos e grupos de acionistas. Um longo procedimento jurídico de compra e venda de
ações teve início, Zampari foi afastado, ficando Abílio em seu lugar. Havia pessoal do Banco do
Estado fiscalizando os gastos e a contabilidade da Companhia e ajudando Abílio a organizar as
contas que estavam “na maior bagunça”.
Com as contas organizadas, Abílio conseguiu um financiamento e pôde produzir para a
Brasil Filmes; por pouco tempo, porém; quando ele saiu, havia “Ravina” em produção. Gastos
altíssimos, o Banco desanimou e cortou o financiamento.
Foi assim que se acabou a Vera Cruz e o sonho nacional de uma indústria de cinema de
padrão internacional, da qual, começando como ator, Abílio terminou como diretor

superintendente.

Considerações finais


Abílio Pereira de Almeida foi um homem como poucos; um homem que amou tudo o

que fez e se dedicou a tudo com grande entusiasmo.
Criticou a sociedade em que vivia e foi criticado, às vezes duramente, por ela. Não havia
lugar para consenso ou conformismo em sua vida. Suas armas eram a caneta ou a máquina de
escrever que iam alinhavando, costurando, construindo um universo bem semelhante ao que via
e no qual vivia.
E o público ria, se divertia e Abílio se divertia, por sua vez, ao notar que o público ria de
si mesmo.
Mas essa atitude acabou sendo penalizada: com o passar do tempo, houve mudanças
drásticas na sociedade, e ele foi sendo relegado a um ostracismo, merecido ou não, de acordo
com as opiniões contraditórias que sempre suscitou.
Num trabalho de resgate de memória, ele surge novamente; se esse trabalho será
eficiente e eficaz, só nos resta deixar passar o tempo outra vez para verificar.



Notas bibliográficas
1 – Abílio Pereira de Almeida: depoimento gravado para o MIS.
2 – idem
3 – idem
4 – Maria Rita Galvão, “Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz”, RJ. Civilização
 Brasileira, 1981, p.53.


Bibliografia

Depoimentos V. Rio de Janeiro. MEC – SEC – SNT. 1981
DIONYSOS. Rio de Janeiro. Ministério da Educação e Cultura. DAC. Funarte, Serviço
 Nacional de Teatro, set/80, número 25 – número dedicado ao TBC.
FESTER, Antonio Carlos Ribeiro. Em Moral Corrente no país. Dissertação de
 Mestrado apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
 Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
 Orientador Prof. Dr. Décio de Almeida Prado.
GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. RJ. Civilização

 Brasileira. 1981.

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